A balança da justiça

Desde os tempos mais antigos vê-se a presença de uma balança para pesar os atos bons e maus das pessoas acusadas em geral. Na Índia havia o Tribunal dos Mortos, onde eram pesados os benefícios e malefícios atribuídos ao acusado. O mesmo ocorria nos processos de bruxaria da Idade Média.

Uma profunda crença na balança dos pecados e da justiça existia, também, entre os antigos judeus

Assim, encontramos no Livro de Jó, no Antigo Testamento: “Pese-me em balanças fiéis, e saberá Deus a minha sinceridade” (Cap. 31, versículo 6).

E, mais adiante: “Pesado foste na balança e foste achado em falta” (Daniel, Cap. 5, vers. 27).

Na mitologia grega, o deus maior era Zeus, designado como deus da luz, do céu e dos raios. Segundo Homero escreveu na Ilíada (VIII, 69 e seguintes), ao tomar as grandes decisões em torno do destino dos homens, costumava colocar os mortos numa balança de ouro, para pesar seus defeitos e suas qualidades.

Virgilio na Eneida fala também que Júpiter consulta a balança, para distribuir justiça.

Baseados nessas origens, os romanos adotaram como símbolo da Justiça uma mulher vendada segurando uma balança, que seria uma réplica de Temis, “filha do céu e da terra, irmã mais velha de Saturno e tia de Júpiter”. Segundo seus apologistas, suas características principais seriam “uma prudência extraordinária, e um extremado amor à Justiça”.

Registra a História que Temis destacou-se como rainha da Tessália, e seu tato e equanimidade foram tais, que acabou divinizada como deusa da Justiça.

Tudo isso, entretanto, pertence ao passado. Na época atual a insegurança jurídica domina todos os espíritos, ficando muito difícil uma pesagem dessa espécie, à moda antiga. Já não se sabe sequer o que seria crime, para se poder fazer o autor responder pelo ato praticado.

A legislação é alterada constantemente. Quando se promulga uma Lei criando novos tipos penais, estamos fazendo surgir delinquentes que antes não existiam.

O mesmo acontece com a jurisprudência, pois o entendimento dos Tribunais muda imprevisivelmente, variando de instante a instante.

Diz muito bem a brilhante jornalista Márzia Figueira em seu maravilhoso livro “Os Inocentes” que: “Com o ensino deslizando pelo canavial, a educação indo pro brejo e a cultura pras cucuias, as coisas hoje em dia estão um bocado difíceis. Atualmente, ensinar está ficando impraticável. É dose pra leão algum botar defeito. Porque construímos um mundo em que os honestos são considerados tolos; os bons, fracos; os generosos, idiotas; os sábios, loucos. E permitimos que a violência comande o espetáculo e dê o tom, obrigando todos a dançar conforme a música, cada dia mais selvagem”.

Um representante muito importante de Cingapura, por exemplo, disse: “Veja, em Cingapura um policial tem o direito de levar qualquer cidadão para fazer um exame de urina imediatamente, se suspeitar do uso de drogas. Se o exame revelar uso de drogas, a pessoa recebe tratamento e reabilitação compulsórios. Isso seria impensável na América do Norte. Mas em Cingapura aceitamos, e julgamos que isso mantém a ordem, a segurança e a coesão da sociedade. Consequentemente, posso andar pelas ruas de Cingapura a qualquer hora e ir a qualquer lugar a salvo de assaltos. Cite uma cidade americana onde eu possa fazer isso”.

Isso tudo vem bem a propósito da ampla reforma penal anunciada e proclamada aos quatro ventos, considerada como inadiável, impostergável, imprescindível e indispensável.

Na mesma oportunidade de tão importante anúncio dos propósitos reformistas, a imprensa publicou levantamentos estatísticos, segundo os quais apenas 1,7% dos autores de homicídio cumpre pena, e que 90 mil presos pela PM de São Paulo no ano passsado acham-se soltos, sendo 75% deles autores de crimes graves, como roubo, estupro, tráfico, homicídio e latrocínio. Esses dados aterradores já nem mais impressionam a sociedade que vê, estarrecida, em contrapartida, a prisão de modesto lavrador que tirava casca de uma árvore, bem como o encarceramento compulsório de modestos caçadores de tatu, preguiça e juritis nessa imensidão do território pátrio.

Como se vê, a esta altura não se pode falar em “balança” nem no sentido figurado.

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