A monarquia

A idéia de monarquia nos leva logo à figura do rei, do Estado feudal, exercendo o poder pessoal, absoluto, incontrolável e ilimitado, que se auto-intitulava representante dos desígnios de Deus na terra, ungido pelo Senhor, em si e em toda a sua dinastia – antecessores e descendente – não podendo, por conseguinte, ter sua vontade contestada.

O rei se confundia com o próprio Estado, tendo ficado famosas as palavra de Luiz XIV, da França, quando declarou que “l’État c’est moi” – o Estado sou eu.

As dinastias eram apoiadas pela religião, e seguia-se a sucessão hereditária por imposição “divina”, sendo os príncipes e reis coroados pelos Supremos Sacerdotes (posteriormente pelos Papas), para se tornarem “legítimos” perante o povo.

Na monarquia havia a monocracia, ou seja, governo de um só, tal como nos Estados modernos se dá com as ditaduras e tiranias onde predomina a vontade de um único homem: o tirano ou ditador.

Sem dúvida o rei vivia cercado de ministros e auxiliares, dentre os quais dividia funções, confiando-lhes poderes e atribuições vários. Isso, entretanto, não tira o caráter pessoal e exclusivista do poder, porque todas as decisões continuavam centralizadas e concentradas em sua pessoa. Os demais agiam em seu nome, por sua nomeação, e eram, por conseguinte, apenas depositários de sua confiança.

Partia-se do conceito que somente o rei tinha capacidade para discernir o bem comum, e, sob inspiração divina, para decidir o que era melhor e mais apropriado para a condução dos negócios públicos.

Durante muitos séculos a monarquia foi regulada apenas por princípios, dentre os quais convém ressaltar:

  1. a) Princípio do absolutismo – de acordo com esse princípio o Rei possuía poderes absolutos, concentrando em suas mãos os mesmos direitos correspondentes atualmente ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Era o Chefe espiritual e material do povo.
  1. b) Princípio da hereditariedade – o rei recebia o trono por sucessão hereditária. O herdeiro era o filho mais velho, ou seja, o primogênito. Em sua falta seguia-se uma linha hereditária que em muitos países excluía as mulheres.
  1. c) Princípio da submissão à religião – o rei era coroado pelo sacerdote ou líder espiritual máximo da religião predominante no Estado. Nos séculos da Idade Média, os reis tinham que ser católicos. Essa regra subsistiu até que romperam as guerras de religião.

Respeitados esses princípios, o rei era coroado e colocava-se acima da lei, não podendo sequer ser julgado por crimes ou abusos cometidos pelo uso arbitrário da autoridade. Em tempos antigos havia o “Conselho dos Anciãos” ou “Pais da Pátria”, ou mesmo, em certa época, o Senado Romano, mas esses órgãos controladores desapareceram na Idade Média, quando se manifestou a monarquia absolutista em sua expressão mais autêntica.

A pessoa do rei era de origem sagrada e sobrenatural (o povo acreditava que podia até fazer milagres, e assim procurava obter um “toque” em seus trajes ou uma “bênção” de suas mãos) e sua personalidade portanto era incontestável e inalcançável pelos outros homens.

Foi na Inglaterra, em 1215, que surgiu pela primeira vez, com a “Magna Carta”, imposta pelos barões revoltados contra rei João “Sem Terra”, a limitação dos poderes do rei.

Iniciou-se ali a monarquia limitada que evoluiu mais tarde para a monarquia constitucional, vigorante atualmente em muitos países.

No nosso século não existem sequer resquícios daquela monarquia absolutista dos tempos d’antanho. Hoje, presidentes da República em regimes presidencialistas, republicanos, democráticos, possuem muito mais poderes do que os reis já não possuem há mais de cem anos. Isso para não se falar de ditadores e tiranos de toda espécie, que usam e abusam do arbítrio e da violência, muito mais do que Reis de antigamente (p. ex., os chamados “déspotas esclarecidos”, dos séculos XVII e XVIII).

Houve a fase da monarquia limitada quando os reis, pressionados pela opinião pública e por aristocratas rebelados, passaram a diminuir sus poderes, cedendo-os em parte à nobreza. Em certas ocasiões, para deliberar sobre matérias importantes, especialmente conflitos externos, ficavam jungidos à opinião dos seus “conselheiros” ou dos “Estados Gerais”, que era uma Assembléia na qual se reuniam os representantes da nobreza, do clero e do povo em geral (as três classes sociais, assim consideradas na época).

Daí, não obstante a reação das coroas (especialmente através da Santa Aliança) foi-se adotando aos poucos o modelo inglês, em que o rei ficava vinculado às regras constantes da Constituição: monarquia constitucional.

Essa monarquia constitucional fez com que nos dias atuais, em inúmeros países, o rei não passe de figura meramente decorativa mantendo-se a coroa, família real, corte e aristocracia mais como um resquício do passado, uma homenagem às tradições, aos costumes e aos dias faustosos d’outrora. Seria, digamos uma espécie de saudosismo. De fato a corte, com seus deslumbramentos, pompas, riquezas e brilho sempre atrai e apaixona as multidões.

Em países como a Inglaterra e a Bélgica, por exemplo, não se pode falar em monarquia no sentido exato da palavra. Suas instituições se aproximam muito mais das de um Estado republicano do que das de um Estado monárquico.

Os constitucionalistas encontram até mesmo dificuldades em definir a monarquia constitucional, ou em que consistiria o regime monárquico nos tempos presentes, havendo mais ou menos consenso no entendimento de que “são monárquicas aquelas Constituições nas quais uma pessoa individual tem em suas mãos todo o poder do Estado, ou parte dele, sem responsabilidade jurídica, e com desfruto vitalício ao menos” (Roscher).

Estabelecendo um confronto, verificamos.

  1. Nas formas antigas de monarquia o rei era o senhor e possuidor de todos os bens existentes no Estado, Pertencia-lhe o “domínio eminente”, a “nua propriedade”, e os súditos dispunham apenas da “propriedade útil”, pela qual pagavam impostos e taxas ao trono. Essa propriedade útil podia ser retirada a qualquer momento, desde que fosse de interesse da coroa.

No Estado moderno, especialmente nos países socialistas, o Estado é o dono possuidor de todos os bens de propriedade dos cidadãos, podendo desapropriá-los ou confiscá-los, quando houver o “interesse público”, ficando, naturalmente, a critério dos detentores do poder a interpretação do que seja ou não de interesse do público. Mesmo nas monarquias, esses bens e esse direito de expropriação e confisco pertencem ao Estado, não ao rei. O rei dispõe apenas de suas propriedades particulares como qualquer outro cidadão, sujeitando-se, ainda, aos impostos comuns.

  1. A monarquia hoje convive com a soberania popular, que se manifesta através de sucessivas e periódicas eleições, nas quais escolhe os seus representantes. Esses representantes dirigem, de fato, os negócios do Estado, seja pela figura do primeiro ministro, chefe de gabinete ou “premier”, saindo da maioria parlamentar.

Na Inglaterra as leis são editadas pelo rei, “aconselhado pelos lordes e com o seu consentimento espiritual e temporal, e pela aprovação da Câmara dos Comuns, e sob autoridade da mesma”.

  1. Sobrexistem a vitaliciedade, pois os reis modernos também não têm prazo de duração no cargo; a inviolabilidade e a irresponsabilidade com referência aos negócios públicos; e, na maioria dos países, a hereditariedade.
  1. Surgiu, porém, a monarquia eletiva, que é aquela em que se estabelecem regras para a sucessão no trono, independentemente da linha hereditária. Processa-se a escolha por um colegiado, ou pelo Parlamento. Ou, em caso de morte do rei, o seu sucessor deverá obter a aprovação do parlamento; ou do povo diretamente.

Na monarquia antiga havia países em que o rei antes de morrer indicava quem seria o seu sucessor: ou qual dos seus herdeiros receberia a coroa, etc.

Mas, o que caracteriza sobretudo a monarquia moderna é que ela é constitucional. Tem todos seus poderes traçados e limitados por uma Constituição, que o rei não pode modificar – só o Parlamento!

A nova Constituição surgiu com esdrúxula novidade ao fixar para o dia 7 de setembro de 1993 um plebiscito, no qual “o eleitorado definirá a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no país” (Ato das Disposições Transitórias, art. 2º).

Admite portanto a Carta a hipótese de se reintroduzir a monarquia no Brasil, após um giro de cento e quatro anos de regime republicano. O que não deixa de ser pelo menos curioso, se não extravagante.

Porque, suponhamos que a população, num momento de eclipse mental, responda afirmativamente. Será imprescindível definir, em seguida, inúmeras outras questões, como, por exemplo, quem será o rei, processo de escolha, seus poderes, deveres, direitos e privilégios, prazo de reinado e sua sucessão.

A solução para tantas controvérsias, que, sem dúvida, surgirão, talvez venha a se encontrar a partir do caminho mais democrático, da eleição do rei (o que não seria nada de inovador, porque já havia inclusive no reino da Baratária) ou mesmo sua escolha por uma comissão de notáveis (como se dá com a escolha do Rei Momo, em épocas pré-carnavalescas).

Em todo caso, como no Brasil tudo é possível, aguardemos para ver.

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