A voz de Deus

Os terríveis acontecimentos que se desenrolam no Oriente Médio, nesse interminável conflito entre judeus e palestinos, fazem-nos lembrar certa passagem da literatura judia:

“Narra uma velha história que, durante aceso debate a propósito de um certo problema levantado pela interpretação do Talmude e sobre o qual nenhum consenso havia sido conseguido, o rabino Eliezer, cujo pensamento jurídico rigoroso e elegante não era seguido pela maioria dos presentes, afirmou que, se o seu raciocínio fosse correto, um carvalho situado fora da sinagoga se deslocaria. Quando a árvore se moveu de fato, os demais rabinos não pareceram impressionados. Eliezer vaticinou então que, caso estivesse com a razão, o curso de um rio vizinho inverteria a sua direção, o que efetivamente aconteceu; acrescentou ainda que os muros da escola rabínica se desmoronariam, o que de novo sucedeu.

Estas maravilhas não convenceram, no entanto, os rabinos. Por fim, proclamou solenemente que o próprio Céu faria a prova da sua razão. Foi então que uma voz celeste confirmou a opinião de Eliezer. Todavia, até mesmo desta voz os rabinos discordaram, dizendo: “Não podemos dar atenção à voz divina porque Tu mesmo escreveste no Torah, no Monte Sinai, que nos devemos inclinar perante a opinião da maioria”. E Deus riu então, repetindo: “Os meus filhos me venceram, os meus filhos me venceram” (Talmude da Babilônia, Baba Mezia, 59b).

Sem querer entrar no mérito da questão, nem tampouco tentar me aventurar a juízos temerários, há, entretanto, um aspecto a ser analisado, com relação ao problema.

Durante quase todo seu Governo, que está a findar-se, o Presidente Bill Clinton vem se esforçando, desesperadamente, para promover um acordo que faça retornar a paz àquela conturbada e explosiva região.

Mas, além dele, já houve várias tentativas, todas fracassadas, de inúmeras autoridades internacionais: da ONU, do Conselho de Segurança da ONU, do Papa, dos dirigentes dos inúmeros países árabes, especialmente Egito, Síria e Jordânia, da França, Itália, etc. Tudo debalde.

A crise vem se arrastando há anos, aumentando e diminuindo sua gravidade, tal como uma febre intermitente, que sobe e desce, mas mantendo-se sempre presente.

No curso de 36 anos de conflito, a última onda de violência começou em 28 de setembro do ano passado, após a visita do lider israelita, Ariel Sharon, à Esplanada das Mesquitas, chamada pelos judeus de Monte do Templo, e que é considerada um local sagrado, em Jerusalém, para ambas religiões: a muçulmana e a judaica.

De envolta com tanta intransigência, tantas mortes, lesões, agressões e crimes de toda espécie, ferindo as famílias de ambos os lados, há, no entanto, um ponto em comum.

Realmente, por incrível que pareça, aqueles homens que se digladiam com uma ferocidade espantosa, demonstrando um ódio recíproco, quase que incontrolável, fazem isso tudo em nome de Deus.

Judeus e palestinos são religiosos fanáticos.

Os judeus, antes de saírem matando palestinos, vão às sinagogas pedir forças a Jeová, e, quando retornam com as mãos tintas de sangue, vão lá para agradecerem a Deus as graças recebidas. Ficam horas e horas diante do “Muro das Lamentações” levantando e abaixando as cabeças pedindo forças e inspiração divina.

Já os palestinos rezam quatro ou cinco vezes por dia. Há, em suas cidades, em quase todos os bairros, uma torre chamada de “minarete”, em cima da qual fica um sacerdote chamado de “muezim”, ou “almuadem”, fazendo preces e orando a Alá e ao seu Profeta Maomé.

Quando o Muezim ergue as vozes para o céu, todo o povo se ajoelha e fica levantando e abaixando o corpo, com os braços para cima e para baixo. É uma cena patética.

Quem já visitou aquelas regiões fica impressionado com o maravilhoso espetáculo de fé apresentado por judeus e palestinos em suas preces a seus respectivos deuses.

Diante dessa série de reflexões, chega a parecer que Voltaire tinha lá suas razões quando dizia que “quanto mais perto da religião, mais longe de Deus”. Pois, acrescentava, “a pior de todas as espécies de fanatismo é o religioso”.

Nos países leigos, a-religiosos ou mesmo anti-religiosos, convivem pacificamente cidadãos de todas as religiões, ateus e indiferentes. Isso só não é possível em Jerusalém, em pleno século 21. Tudo sob as bênçãos de Deus. Ninguém consegue entender.

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