Dura Lex Sed Lex

Em sua edição do dia 11 último, a imprensa da terra publicou impressionante entrevista de um jovem, de 18 anos, conhecido pela alcunha de “Zoião” ou “Bad Boy”, preso por “suspeita de assassinato”, e que declarou na Delegacia, palavra por palavra, que “até já perdi a conta de quantos matei. Quando não mato alguém fico nervoso”.

Disse o Zoião que cometeu seu primeiro homicídio aos 12 anos de idade, e a partir de então o número de suas vítimas já deve ter alcançado cifra superior a cinquenta. Ou talvez perto de 100.

Deixando de lado a personalidade criminosa do declarante, vamos proceder a uma rápida análise dos aspectos jurídicos da questão.

Se não, vejamos:

  1. Está preso, segundo publicado, por “suspeita de assassinato”. Ora, na forma do princípio constitucional da “presunção de inocência” já deveria ter sido solto, e, ademais, não existe na nossa legislação penal o crime de “suspeição”.
  1. Juridicamente, ele é primário, e de bons antecedentes, porque, na forma da Lei, todos os crimes que confessa ter cometido, foram executados durante sua menoridade. Pois, segundo dizem as reportagens, conta atualmente com 18 anos.
  1. Ora, a lei dá pleno direito àquele que é primário e de bons antecedentes, de defender-se em liberdade, durante toda a tramitação do processo penal, até que a sentença transite em julgado, ou seja, quando não couber mais nenhum recurso.
  1. Mas, admitindo que o Juiz mantenha o réu preso, devido ao evidente clamor público, estará agindo com ostensiva ilegalidade ou abuso de poder, sujeitos a reparação mediante habeas corpus.
  1. Suponhamos que o acusado não disponha de fartos recursos financeiros para pagar bons advogados que façam valer seus indiscutíveis direitos constitucionais perante os Tribunais Superiores do País, e se mantenha preso até o julgamento pelo Tribunal do Júri. E que, submetido a Júri, acabe condenado.
  1. O Juiz, na fixação da pena, terá que levar em conta todas as circunstâncias atenuantes, dentre as quais acha-se prevista expressamente em lei “ser o agente menor de 21 anos na data do fato” (Art. 65, I, do Código Penal).
  1. Logo, sua pena, se, na pior hipótese, for condenado por homicídio qualificado, não deverá ultrapassar os 10 anos de cadeia. Haveria aí, sem dúvida, rigor inimaginável, e, sobretudo, improvável sob todos os títulos.
  1. Acontece que, na forma da Lei, se por acaso não fugir da cadeia e for realmente cumprir a pena que lhe for imposta, após o cumprimento de um terço da pena terá direito a livramento condicional (CP, art. 83, I). Ou seja: com três anos e meio de prisão será solto.
  1. Por outro lado, se contar com um bom advogado, requerendo o depoimento de testemunhas fictícias e recorrendo da sentença de pronúncia e de todos os despachos do Juiz, e o processo com isso for demorando, ainda poderá ser beneficiado pela prescrição, porque “são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos” (CP, art. 115). Decretada a prescrição, deixa de existir crime, desaparecendo juridicamente tudo que por acaso houver contra o agente. E todos nós sabemos perfeitamente como é bem fácil um processo criminal demorar mais de cinco anos.

Tudo isso nos faz lembrar a campanha desenvolvida pelo Ministério Público, há cerca de dez anos, apelando para o Congresso Nacional no sentido de ser feita uma reforma na nossa legislação penal.

Vale ressaltar as palavras registradas na Imprensa, na época, da Procuradora de Justiça, Dra. Catarina Ceccin Gazele, quando dizia que “o índice de assassinatos é muito alto e é preciso uma legislação mais penalizadora” (A Gazeta, 4.7.93).

Quando foi editada a nova Parte Geral do Código Penal, lembro-me muito bem que a Associação Paulista do Ministério Público divulgou manifesto alertando as autoridades e a sociedade para o espantoso aumento da criminalidade que seria ocasionado pela nova legislação – excessivamente branda.

Pois, no caso em tela, como se vê, na pior das hipóteses, o Zoião cumprirá, no máximo, três anos e meio de cadeia. Esta é a lei. E a lei tem que ser cumprida, pois, conforme diz o aforismo jurídico: dura lex sed lex, ou seja, a lei é dura, mas é lei.

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