Contrastes

Já está exuberantemente provado que a nossa Constituição é uma Lei teórica. Constantemente ultrapassada pelos acontecimentos, não vem refletindo a realidade nacional, nem encontra meios ou caminhos para sua execução realística.

Não está dotada de capacidade para definir a personalidade da nação em toda complexidade da sua fenomenologia. Somos um país em que há regiões altamente industrializadas e poderosas, enfrentando os problemas da urbanização e dos descontentamentos operários.

Grandes massas estão conglobadas em importantes metrópoles em adiantado surto desenvolvimentista, dotadas dos mais avançados recursos da técnica, da ciência e do progresso.

Só São Paulo vale mais do que muitas e muitas nações. Os seus problemas, cheios de peculiaridades, são daqueles que só existem em partes das mais evoluídas do globo.

O progresso fabuloso que ali se desenrola em todos os sentidos reflete-se no aperfeiçoamento industrial e até mesmo nas pesquisas científicas.

Enquanto isto as outras unidades federativas da mesma Pátria estão dotadas de áreas das mais atrasadas do planeta.

Enquanto no sul os médicos fazem transplantes e cirurgias das mais delicadas, recuperando pessoas quase mortas, segundo a técnica dos melhores cirurgiões da Europa ou norte-americana, em quase todo o norte, grande número de cidadãos morrem de varíola e de outras moléstias derrotadas de longa data pelas vacinas e pelas descobertas de laboratórios. Morrem de varíola porque não há vacinas para o povo.

Conhecemos médicos no interior que dão atestado de vacinação anti-variólica sem que as crianças estejam imunizadas, para que elas possam matricular-se no colégio.

Isto porque mesmo que os pais estejam ansiosos para vacinarem os seus filhos, não podem. Não há recursos locais. E a desobediência à Lei deflui de uma obrigatoriedade lógica.

Há vários municípios no interior deste Brasil, em que o Código Penal é um soldado. Num lugarejo distante de mais de 100 quilômetros da mais próxima povoação e de mais de 500 do mais próximo Juiz, aquele miliciano é o supremo árbitro de todas as decisões. Equivale a um Supremo Tribunal em miniatura.

Isto se contrapõe extraordinariamente ao Direito das grandes capitais, em que todas as filigranas da Ciência Jurídica são examinadas e os exemplos dos grandes tratadistas estrangeiros perquiridos meticulosamente.

Nas nossas escolas provincianas o aluno é atulhado de teorias e divagações, estudando a capital da Islândia, a população da Nicarágua, a conjugar o particípio presente do verbo minguar. Para depois ir plantar feijão, milho ou raspar mandioca.

Se ele não souber desenhar uma parábola nunca terminará o curso ginasial. Se não souber o dia, mês e ano da batalha do Tuiuti não concluirá o curso primário. E depois vai dirigir carro de boi pelos ínvios caminhos do primitivismo rural.

Não é preciso que o cidadão seja engravidado de sabedoria para saber que a nossa legislação tem que atender às singularidades regionais, partindo das partes para a constituição de um todo.

Os ginasianos nos maiores núcleos populacionais têm que receber lições de datilografia, taquigrafia, aulas de trânsito. Ao completarem o Curso devem estar aptos a se empregarem no comércio, nas indústrias, para serem auto-suficientes no Curso Superior e não significarem mais ônus para a economia sacrificada dos pais, que têm que pagar aluguéis, transportes, anuidades, etc.

Por outro lado os mesmos ginasianos no interior devem ser instruídos sobre o meio mais prático e eficiente de se plantar cereais, noções de pecuária, de botânica ou de fruticultura, de acordo com o lugar onde estudem.

Nessas condições, tudo que pretende adicionar quantidades heterogêneas, só poderá dar como conseqüência a irrupção de descontentamentos e a explosão de insatisfações.

A Lei tem que ser condicionada integralmente aos fatores ambientes, sob pena de ser transformada nessa anormalidade em que nos lançamos.

Estamos dotados de material humano e técnico para um levantamento verídico do todo brasileiro e a adaptação da norma jurídica aos fatos irrecusáveis. Seria uma grande arrancada para a nossa tão cobiçada emancipação econômica.

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