Da absolvição antecipada

A nova Constituição Federal, de 1988, também chamada vulgarmente de “Constituição-cidadã”, trouxe para o mundo jurídico inúmeras inovações, todas elas oferecendo novos direitos e garantias para o povo, e especialmente para os trabalhadores. Mas cuidou também de ampliar a área de controle do Estado pela sociedade.

Vale destacar, neste particular, o importante papel confiado, a partir de então, ao Ministério Público, que deixou de ser mero apêndice do Executivo, para colocar-se ao lado dos três Poderes do Estado, numa posição independente, “sui generis”, gozando das mesmas garantias do Judiciário. Tornou-se, pode-se dizer, uma espécie de quarto poder.

A partir de então temos visto a atuação corajosa de inúmeros Promotores Públicos assumindo ostensivamente a defesa dos chamados “direitos indisponíveis” da sociedade, lutando com denodo e energia em favor do patrimônio público e social, do meio ambiente e de “outros interesses difusos e coletivos”, na forma estabelecida pela Constituição (artigos 127 a 130).

Isto, como não poderia deixar de acontecer, veio incomodar os detentores do Poder, donos do Estado, que não gostam, e jamais gostaram, de qualquer obstáculo ou resistência à execução de suas deliberações, ainda que absurdas e tresloucadas.

Todo mundo se recorda muito bem que há bem poucos anos o Presidente Collor, da noite para o dia, simplesmente baixou um decreto confiscando os depósitos bancários normais e até mesmo os das cadernetas de poupança, de toda a população brasileira. Houve mortes, sucídios, loucura, falências, quebradeiras e dramas pavorosos: doentes sem recursos para comprarem remédios, empresários sem poderem pagar seus empregados, e inúmeras outras terríveis situações .

Para não irmos muito longe, basta relembrar que o atual Governo resolveu alienar o patrimônio nacional (chegando ao ponto de emprestar dinheiro aos supostos compradores para poderem comprar), sob a alegação de modernização, e que iriam ser criados milhões de empregos, sendo no mínimo dois milhões de novos postos de trabalho só com a venda das empresas de telecomunicações. A realidade mostrou-se completamente diferente. O desemprego aumentou consideravelmente, e houve um retrocesso gritante na prestação de serviços, que nem a propaganda maciça, e financiada por rios de dinheiro, consegue ocultar.

Diante destes e de tantos outros desatinos, destaca-se o comportamento maravilhoso, extraordinário, dinâmico, do Ministério Público, que abre inquéritos, oferece denúncias, promove apurações por sua própria conta e luta, aguerridamente, em favor da Pátria ofendida, dilapidada, e, sobretudo, humilhada.

Agora, por incrível que pareça, tenta-se amordaçar o Ministério Público, reformando-se a Constituição, através da chamada “Lei da Mordaça”, querendo impedir a divulgação dos fatos que apura.

Neste particular, vale relembrar os registros históricos quando dizem que no curso da revolução francesa Mirabeau, um dos grandes revolucionários, acabou preso por seus próprios amigos e companheiros, acusado de traição à causa do povo.

Antes de ser encaminhado ao Tribunal para julgamento, disseram-lhe que havia, dentre os julgadores, alguns inimigos seus, ou pessoas que não gostavam dele.

Foi aí que Mirabeau respondeu: “Não importa que o Juiz seja suspeito, faccioso, não goste de mim, ou seja mesmo meu inimigo, desde que o julgamento seja público”.

No Estado moderno, muito mais importante do que o processo judicial, como também de qualquer espécie de punição ou censura, é a ampla publicidade, são as críticas da imprensa, a divulgação da imoralidade pelos jornais, rádios, e, sobretudo, pela televisão.

Quantos e quantos casos, temos observado, de peculatários, extorsionários, traficantes e ladrões de todo quilate que ocupam as páginas dos jornais em rumorosos escândalos. Seus autores muitas vezes ficam impunes. Saem ilesos das inúmeras ações judiciais, porque sua equipe de grandes advogados, pagos a peso de ouro, consegue encontrar frestas na Lei para absolvê-los, ou procrastinam o julgamento até que possam escapar pela porta dos fundos da prescrição.

Ninguém nunca lhes tirará, entretanto, a vergonha pública, a mancha da desmoralização, o labéu da desonra, que ultrapassam até a própria vida – como dizia Shakespeare, “durma a tua desonra contigo no túmulo, embora não recordada em teu epitáfio”. Pois, “acabando tudo com a morte, só a desonra não acaba”.

Tapando-se a boca do Ministério Público, por incrível que pareça, nem sequer essa pena, de caráter meramente moral, querem deixar para tantos e tão graves crimes, numa mera absolvição antecipada.

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