A força da lei

O indivíduo que acompanhar os ritos e formalidades necessários à condenação de um único criminoso ficará, de fato, profundamente impressionado.

Atravessada a fase do inquérito policial, remessa dos autos ao Ministério Público, oferecimento da denúncia, instauração da ação penal e, finalmente, condenação, inicia-se a não menos longa e tormentosa trajetória dos recursos.

Assim, o processo é encaminhado ao Tribunal de Justiça. Inicia-se, então, a tramitação de uma Apelação Criminal. Lá é distribuído a um Relator, sorteado dentre os membros das Câmaras Criminais. Esse Relator encaminha-o à Procuradoria Geral de Justiça, onde um Procurador da Justiça (Promotor de 2º grau), oferece parecer. Com o parecer, retorna ao Relator, que o examina, prepara seu voto, e, em seguida, despacha-o, com relatório, ao Desembargador Revisor.

Depois de marchas e contra-marchas, é colocado em pauta para julgamento, onde os Desembargadores poderão: a) confirmar a sentença e manter a condenação; b) não confirmar a sentença e absolver o réu; c) encontrar nulidades, e, por conseguinte, anular o processo ou a sentença e mandar que se faça nova instrução e se proceda a novo julgamento. Se se tratar de crime sujeito a julgamento pelo júri, os Desembargadores podem confirmar a sentença ou mandar que o réu seja submetido a novo júri.

Isso, se a decisão da Câmara Criminal tiver sido unânime. Caso haja algum voto divergente na câmara criminal isolada, caberá recurso para as Câmaras Criminais Reunidas, compostas de 7 Desembargadores, ao contrário das Câmaras isoladas, que dispõem apenas de 3 Desembargadores.

Suponhamos que a sentença condenatória seja confirmada pelas Câmaras Reunidas. Aí caberá recurso para o Superior Tribunal de Justiça, onde o processo será distribuído a um Ministro, membro de uma das Câmaras, e os Ministros, por sua vez, se reunirão para confirmar ou reformar a sentença do Juiz.

Após ser ouvido o Procurador Geral da República (mais alto órgão do Ministério Público brasileiro), o processo entra na pauta, onde é discutido e examinado pelos Srs. Ministros.

Admitindo-se a hipótese de ser confirmada a sentença, os autos ainda podem ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal, mediante novo recurso da defesa.

Só depois de relatados, discutidos e examinados os autos, efetuada a votação, concluindo, também, pela condenação, é publicado o acórdão no Diário da Justiça. Daí não cabe mais recurso algum, adquirindo o réu o “status” de condenado.

Triste é constatar-se que muitos dos condenados, perigosos traficantes, assaltantes, criminosos bárbaros, estupradores, latrocidas, autores de dezenas e às vezes centenas de crimes, ao tomarem conhecimento de sua condenação final, simplesmente fogem da cadeia, para cometerem novos crimes, ou para nunca mais serem encontrados.

Em resumo: após ver tantos pareceres e assistir a tantos debates, em que são citados os maiores luminares do Direito Penal, do Direito Processual Penal, do Direito Constitucional, e de outros ramos do Direito, como Nelson Hungria, Damásio Evangelista de Jesus, Bento de Faria, Manzini, Mittermaier, Malatesta, José Frederico Marques, Carlos Maximiliano, Hely Lopes Meireles e até mesmo o Frei Pantaleão de Aveiro, o condenado não consegue esconder o riso, e, sob gargalhadas homéricas, foge da cadeia, ou seja, absolve-se a si mesmo – e seu exemplo desmoraliza as instituições públicas e o próprio Estado, estimulando e incentivando a criminalidade, que já atinge níveis insuportáveis.

De acordo com as estatísticas oficiais, temos no nosso País cerca de 450 mil mandados judiciais de prisão, que não são cumpridos, sendo que cerca de 50 mil se referem a foragidos das prisões.

Enquanto isso fala-se e proclama-se, alto e bom tom, a necessidade imperiosa, inadiável, imprescritível, irremovível, improcrastinável, de serem feitas reformas penais, com a criação de novos Códigos, novas Leis, novos tipos penais, punições mais rigorosas, introdução da pena de morte, e tantas outras inovações que só são capazes de impressionar leigos e jejunos na matéria.

Maquiavel já dizia que “autoridade e força”, são os dois pilares em que se apóia o Estado. Sem autoridade e força suficientes para sequer manter presos os condenados, que, foragidos, sentem-se estimulados a cometer novos crimes, e incentivam outros a imitá-los, não é de admirar que o crime campeie e a sociedade viva insegura e sobressaltada.

Aliás, já dizia Montesquieu que “quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda parte”.

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