Da justiça dos homens

Desde os tempos mais remotos faz parte dos usos e costumes dos homens a busca da Justiça. Sempre, em todas as épocas e em todas as civilizações, das mais atrasadas até às mais evoluídas, houve a figura do pajé, cacique, morubixaba, sacerdote ou juiz, investido de todos os poderes para dirimir as questões, acabar com as querelas e restabelecer a paz no meio social.

Na antiguidade grega surgiu a figura de Temis, “filha do céu e da terra, ou de Urano e Titéia, irmã maior de Saturno e tia de Júpiter”. Suas principais qualidades eram a prudência e um extremo amor à Justiça. Deodoro atribui a ela ter instituído as leis religiosas e morais, e une a seu nome tudo quanto pode contribuir para manter a paz e a ordem entre os homens.

Reinou na Tessália, e, devido a seu tato e elevados sentimentos de equanimidade, foi divinizada pelo povo, passando a ser considerada a Deusa da Justiça. Após sua morte os gregos construíram templos em sua homenagem, onde a adoravam, tornando-se famosa e bastante conhecida sua estátua segurando uma balança, com a qual estaria sempre pesando as razões dos litigantes, para ver para qual lado pendia a justa razão.

Mesmo na Bíblia Sagrada a balança é mencionada como símbolo da Justiça: “pese-me em balanças fiéis, e saberá Deus a minha sinceridade” (Jó, 3l:6). E: “Pesado foste na balança, e foste achado em falta” (Daniel, 5:27).

Na Índia, naqueles tempos longínquos, falava-se na existência de um “Tribunal dos Mortos”, com uma balança, na qual eram pesadas as boas e más ações, a fim de se fazer o “juízo final”.

Dentre os romanos, a deusa da Justiça é descrita por Virgílio, que a retrata como uma mulher vendada, segurando uma balança. Assim, sem ver e sem conhecer a quem julgava, decidia os conflitos, pesando as razões e contra-razões.

Realmente, dificílima é a arte de julgar, que seria, portanto, privilégio dos deuses. Basta dizer que no seu famoso “Sermão da Montanha”, diz Cristo enfaticamente: “Não julgueis, para que não sejais julgado” (Mateus, 7:1).

Platão advertia que “o juiz não é nomeado para fazer favores com a Justiça, mas para julgar segundo as leis” (“Apologia de Sócrates”), enquanto Siro proclamava que “o juiz é condenado onde o culpado é absolvido” (“Sentenças”).

Mas, apesar de todas as suas deficiências, fragilidades e fraquezas, a organização e estruturação da Justiça, surgiu como um imperativo da vida em sociedade. E quanto mais culto e civilizado um povo, mais respeitada é a sua Justiça.

Estes raciocínios nos surgem quando verificamos o vendaval de críticas desencadeadas, nos dias atuais, à Justiça do nosso País, sem que se ouça uma palavra sequer de apoio, ou pelo menos de consolo.

Ainda agora, muito recentemente, vimos o que se passou na Inglaterra, no caso Pinochet: um Juiz espanhol pediu sua extradição a um Juiz inglês, que a denegou; o Ministro do Interior (órgão do Poder Executivo), a deferiu; feito um recurso para a Câmara dos Lordes (órgão do Poder Legislativo), este a deferiu; essa decisão foi anulada e confirmada depois; interposto recurso para o Ministro do Interior, este, alegando razões de saúde, indeferiu a extradição e autorizou o General Pinochet a retornar ao Chile, onde saltou, belo e fagueiro, de sua suposta cadeira de rodas.

No final da história, o General Pinochet permaneceu preso na Inglaterra (ainda que em prisão domiciliar), durante cerca de um ano e meio, o Juiz Baltasar ficou falando sozinho e a Justiça caiu no ridículo, porque simplesmente não funcionou, ou, se funcionou, foi apenas para criar uma tremenda confusão, que acabou em nada.

Esta é a Justiça inglesa, que, apesar disso, não recebeu uma crítica sequer, em nenhum jornal do mundo.

Enquanto isso aqui no Brasil o caso seria submetido simplesmente ao Supremo Tribunal Federal (órgão do Poder Judiciário) que em 30 ou 60 dias, no máximo, proferiria sua decisão, sem qualquer intromissão dos Poderes Executivo ou Legislativo.

No nosso País, neste Brasil brasileiro, nunca se tomou conhecimento de uma sentença judicial como a registrada pela imprensa, ocorrida nos Estados Unidos: “A cidade americana de Portsmouth, em New Hampshire, está revoltada. O Tribunal local condenou à morte o cão labrador Prince. Motivo: ele foi flagrado vagando sozinho pela cidade. Desde que matou um galo em maio do ano passado, Prince estava proibido de andar desacompanhado. A infração não foi perdoada pelo juiz, mas o advogado do cachorro, Peter Marsh, conseguiu protelar a sentença da execução para a quarta-feira 12” (Isto É, nº 1428).

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