Da lei dos crimes hediondos

Constantemente a imprensa noticia casos de assassinatos em massa, nos Estados Unidos, bem como dos chamados “serial killers”, ou seja, assassinatos em série.

Como se trata de um país onde se aplica a pena de morte, que, segundo alguns, tem enorme poder de inibição, esses fatos seriam, realmente de causar espanto.

Entretanto, por incrível que pareça, isso se deve exatamente à existência da pena de morte.

Para facilitar o raciocínio, exemplifiquemos: o ladrão entra num Banco, onde se acham muitas pessoas, apenas e tão-somente com o intuito de roubar dinheiro. Aponta a arma para todos. Digamos que, diante da reação de um guarda, ele atira e mata-o. Pode acontecer, também, que, devido ao nervosismo, a arma dispare até mesmo acidentalmente e mate alguém. Ora, o criminoso sabe que pelo simples fato de alguém ter morrido em decorrência do assalto (voluntaria ou involuntariamente), ser-lhe-á aplicada a pena de morte. Como ele só tem uma vida, compreende na mesma hora que tanto faz matar um como dez que estará condenado à morte da mesma forma. Aí passa a atirar a torto e a direito, e muitas vezes há dezenas de vítimas nesses assaltos.

O mesmo acontece nos casos de estupro. O agente vai estuprar uma mulher, e, no auge da violência ou do orgasmo, mata-a. Sabendo que, quando for preso, estará irremediavelmente condenado à morte, passa a matar inimigos e desafetos, por pouco mais ou nada, sem dó nem piedade.

Estas são as verdadeiras consequências da pena de morte. Em vez de intimidar e evitar o crime, estimula-o.

O mesmo pode ser aplicado no nosso País com relação à lei dos chamados crimes hediondos. Nunca tivemos no Brasil a figura dos crimes imprescritíveis, inafiançáveis, sem direito a livramento condicional. A pedra angular de todo nosso sistema punitivo sempre esteve situada na “progressão da pena”, na “ressocialização do criminoso”.

Trata-se de uma novidade introduzida pela Constituição de 1988, donde saiu a referida lei, designada por penalistas e juristas em geral como “lei hedionda”.

Através dela, o réu sabe que, uma vez condenado, ficará mofando na cadeia, sem nenhuma perspectiva de melhoria ou de evolução prisional, até o último dia da condenação. E, se receber uma pena acima de 30 anos, terá que permanecer preso 30 anos corridos. Da mesma forma, se, pelo acúmulo de crimes e de penas for condenado a 200, 300 anos de cadeia (tanto faz) a pena não poderá ultrapassar os 30 anos.

Por isso vimos, na prática, que a aplicação dessa lei produziu efeitos contrários. Aumentaram os crimes e rebeliões nas penitenciárias, aumentaram as pluri-reincidências, multiplicaram-se os crimes cometidos pela mesma pessoa (chego até a duvidar que esteja havendo aumento da criminalidade, porque, pelo que se vê, o que está ocorrendo é aumento no número de crimes, com uma quantidade cada vez maior de crimes cometidos pelas mesmas pessoas, enquanto, se houvesse aumento da criminalidade o quadro seria de aumento do número de criminosos, apenas).

E foi exatamente em decorrência dos estudos de psicologia criminal, que ensina a necessidade de se dar sempre esperança ao encarcerado, acenando-lhe com a perspectiva de receber prêmios (direito de visitas, direito de sair uma vez ou outra, direito de frequentar cursos, etc.), comutação de pena, redução de pena, prisão semi-aberta, prisão aberta e, finalmente, livramento condicional, que o Governo resolveu alterar a Lei, adotando nova política.

O projeto de lei que ora se acha em tramitação no Congresso Nacional representa uma evolução. Nada mais certo. Nada mais correto. Nada mais consentâneo com uma boa política criminal. A prova disso está em que, de iniciativa de um jurista de primeira ordem – Ministro Nelson Jobim – tem recebido apoio de todos os meios jurídicos brasileiros. Só é condenada, e com rara violência, por integrantes dos meios políticos e policiais, de um lado, e jejunos em criminologia, por outro.

Essa Lei vem recebendo o decidido apoio do Senador José Ignácio Ferreira – advogado militante há mais de 40 anos, Procurador de Justiça aposentado, com longa convivência com o Direito Penal, tendo atuado em muitos júris no nosso Estado – o que, por si só, basta para justificá-la.

Confiamos em que a evolução e o progresso não sejam vencidos pelas forças reacionárias, como, infelizmente, costuma acontecer.

Enviar por e-mail Imprimir