Das vítimas do trânsito

Há pouco tempo recebi pelo Correio um formulário do Detran, que deveria ser preenchido. Segundo informava, paga a respectiva taxa e devolvido, seria efetivado o emplacamento do meu carro, independentemente de qualquer outra formalidade burocrática.

Embora espantado e descrente do que estava vendo, assim procedi: preenchi o formulário, paguei a taxa e mandei tudo de volta ao Detran.

Eis que, surpreendentemente, passados alguns dias chega às minhas mãos, pelo Correio, o documento de emplacamento do meu carro, relativo ao ano de 1997, e um selo para ser afixado no para-brisa. Coisa de primeiro mundo! Espantoso!

Esse procedimento, sob todos os títulos inacreditável num País como o nosso, vem sendo adotado pela atual administração do Detran, sob a direção do Coronel Mário Natalli, sem alardes e com toda simplicidade.

E, o mais notável nisso tudo, é que o Coronel Mário Natalli implantou essa verdadeira revolução sem necessidade de novo Código, nem tampouco de qualquer reforma constitucional. Procurou tão-só e apenasmente dar eficiência ao órgão que dirige.

Isso nos vem a propósito do novo Código Nacional do Trânsito, que brevemente entrará em vigor, e que seria melhor designado como Código Penal do Trânsito, porque só cuida de introduzir penas e mais penas no trânsito. Institui multas e mais multas às mancheias. Só se esqueceu de dizer o destino dessas multas e regular sua aplicação.

Enquanto isso ficou de lado um aspecto importantíssimo do problema.

Se não, vejamos.

Se um ônibus de poderosa empresa, ou o automóvel de um milionário, dirigido por um play boy, atropela uma pessoa, causa-lhe danos ou mata-a, o lesado, ou a família da vítima, bate imediatamente às portas da Justiça.

Tramitado o processo, o Juiz determina o valor da indenização, no caso de dano; na hipótese de morte, será fixada uma indenização, que deverá ser paga num determinado montante em dinheiro (às vezes atinge a casa de milhões de reais) ou através a fixação de uma pensão mensal que costuma se prolongar por muitos e muitos anos.

Agora, se o autor do acidente não dispõe de recursos, ou seja, é um pobre, que muito mal conseguiu comprar seu carrinho velho e mal cuidado, a sentença do juiz não poderá ser executada, razão por que na maior parte das vezes a vítima, nem seus familiares, nem sequer entram com a ação na Justiça. Têm que se conformar.

Centenas e milhares de vítimas do trânsito ficam sem qualquer espécie de ressarcimento. Chefes de família são mortos, seus filhos ficam na miséria e não têm onde buscar socorro, passando a viver da caridade pública – ou de assaltos à mão armada.

Cremos que num País como o nosso, onde a chamada “indústria da multa” já se acha instalada há muito tempo, e que agora vem de ser aprimorada e ampliada estratosfericamente, seria muito lógico e razoável que, com esses milhões arrecadados das multas se instituísse um “Fundo” de socorro às vítimas do trânsito, constituindo uma espécie de “seguro nacional do trânsito”.

Afinal de contas cremos que está bem chegada a hora de se compreender que o acidente de trânsito faz parte da vida moderna. Antes de mais nada, não existe em todo mundo um único motorista, por mais cauteloso, prudente e cuidadoso que seja, que nunca tenha ultrapassado um sinal, ou dirigido com excesso de velocidade, ou estacionado em local proibido, enfim, que não tenha cometido infração de trânsito.

Por outro lado, nas ruas estreitas, abarrotadas de carros e com uma quantidade cada vez maior de pedestres transitando de um lado para outro, é absolutamente certo que haverá desastres. Qualquer estudante de estatística terá até mesmo condições de calcular, com mínima margem de erro, quantos desastres ocorrerão no ano de 1998, em qualquer cidade do país.

O mesmo se passa com as indústrias e atividades arriscadas em geral – por maiores que sejam as precauções, nunca deixará de haver acidente do trabalho. Este o motivo por que, diante daquilo que se convencionou chamar de “infortunística”, criou-se o seguro de acidente do trabalho, a cargo do Estado.

Com a formação desse “Fundo”, estaríamos estendendo o conceito de infortunística à área do trânsito, e ao mesmo tempo dando uma destinação específica e de elevado alcance social ao dinheiro arrecadado das multas, acudindo-se grande número de vítimas do trânsito, que atualmente não têm a quem recorrer.

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