Das algemas

O indivíduo, preso numa penitenciária, pode receber licença do Diretor para ir até sua casa, situada a quilômetros de distância, visitar sua família. Vai, fica alguns dias fora, e volta. Durante todo esse tempo permaneceu preso? Sim. Este é o caso dos chamados vulgarmente de “presos-soltos” – o indivíduo está solto, mas não perde sua condição de preso.

Por outro lado, o monge que voluntariamente manda o Diretor do convento trancá-lo na cela, onde permanece dias, meses e até anos, não está preso. Da mesma forma, marinheiros e passageiros de navios e aviões, estão presos, sujeitos às ordens do Comandante respectivo, mas, inegavelmente, essa prisão não é prisão no sentido exato da palavra.

Por que? Porque o que caracteriza a prisão é, sobretudo, a perda do “status libertatis”, ou seja, da capacidade de se autodeterminar livremente o local para onde se quer ir, de onde se quer vir e onde se quer ficar: direito de ir, vir e ficar.

Esta é a garantia constitucional, amparável por habeas corpus, e da qual a pessoa se vê privada em decorrência da prisão legal, e que consiste na liberdade de concretização da decisão de deixar a qualquer momento o local onde se encontra. Não a possibilidade, abstratamente, mas, sim, a vontade de fazer.

Se alguém é incapaz de se locomover – como paralíticos, doentes em estado grave – então só se verá privado de sua liberdade quando pedir a um acompanhante ou auxiliar que o leve a algum lugar.

“Prender” não significa trancar uma pessoa numa sala fechada, num quarto, numa casa – o que pode ocorrer num hospício, estabelecimento carcerário ou hospitalar. Se o indivíduo está solto dentro de um Palácio, duma fazenda, ou mesmo de uma Cidade, mas sob a determinação que, “se sair dali” será preso, então esta pessoa acha-se efetivamente “presa”, porque não está em pleno uso e gozo do seu status libertatis.

O preso que é transportado pelo guarda, sem algemas e sem amarras de qualquer espécie, desembarca do carro para comprar cigarro, fazer um lanche ou atender alguma necessidade fisiológica, age perfeitamente como homem livre. Encontra-se porém sob o comando e as ordens do policial, privado do seu “status libertatis” – está preso. Não goza do direito de ir, vir e ficar.

O preso relativamente livre, em regime semi-aberto ou aberto, que frequenta cursos ou locais de trabalho, anda e circula pelas ruas, distingue-se dos demais cidadãos, plenamente livres, apenas porque não está de posse de todos os direitos integrantes do status libertatis.

Esta é a diferença fundamental.

Em outros tempos a mera condição de preso importava na perda de todos os direitos. O preso perdia todos os seus bens, sua família, toda e qualquer proteção da lei, e, como condenado, passava a não ter direito algum. Hoje o preso deixou de ser objeto do Direito Penal para ser pessoa do Direito, num sentido amplo.

E é exatamente sintonizado com essa filosofia, que já vem do século 18, que nosso Código de Processo Penal diz textualmente em seu artigo 262, referindo-se à prisão, que: “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”

Este dispositivo acha-se sintonizado com o nosso regime constitucional, em que se exige o máximo respeito para com os direitos e garantias individuais, punindo-se todos os excessos e abusos.

O portador do respectivo mandado deverá, naturalmente, dar voz de prisão. Diante disso, todo e qualquer cidadão fica obrigado a curvar-se à ordem da autoridade, colocando-se pacificamente à sua disposição, e entregando suas armas.

Havendo resistência, ou tentativa de fuga, o agente da lei poderá usar da força. Fica claro, contudo, que essa força terá que ser exercida, estritamente, nos limites necessários, para coagir o acusado a submeter-se à determinação judicial.

Só se justifica o uso da coação física, quando as circunstâncias o exigirem. Deve ser evitado, também, o uso de algemas, cordas e amarras.

Chama-se algema um instrumento metálico com que se prende alguém pelos pulsos, principalmente os presos perigosos ou temíveis, cuja fuga se receia.

Admite-se e aconselha-se mesmo a utilização desse instrumento, em casos excepcionais, quando houver perigo de fuga ou de resistência.

Por outro lado, a Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965, define os crimes de “abuso de autoridade”, dentre os quais inclui-se “o fato de submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado em lei” (art. 4º, “a” e “b”).

Esta é a Lei, e, como dizia Rui Barbosa, “fora da Lei não há salvação”.

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