A verdadeira democracia

O saudoso Advogado Sobral Pinto já dizia que no Brasil existem três Poderes: o Executivo, que é um Poder armado; o Legislativo, que é um Poder desarmado; e o Judiciário, que é um Poder alarmado.

Com efeito, com Clístenes primeiro, e sua reforma constitucional de 508-507, e com Péricles depois, de 460 a 430, a cidade de Atenas havia adquirido uma conformação, sob o ponto de vista político, de caráter destacadamente democrático.

Foram dados, ali, os primeiros passos do regime democrático, que, após profundo mergulho nos séculos, veio a ressurgir logo em seguida à Revolução Francesa de 1789.

Em concreto, em sua origem, forma democrática de governo significava: primazia absoluta da assembléia de todos os cidadãos atenienses para a tomada das decisões de relevância coletiva; direito de palavra e de apresentação de propostas, dentro da Assembléia, atribuido a todo cidadão, sem qualquer discriminação; extração, por sorte, dos cargos públicos e das magistraturas, compreendidos os tribunais, novamente sob o pressuposto de uma igualdade absoluta dentre os cidadãos, de tal maneira que todos eram considerados dignos de ascender inclusive aos mais altos cargos; alternância anual dos governos, que compromete na responsabilidade de governo a parte mais persistente possível da cidadania; obrigação dos mesmos governantes de prestarem contas publicamente. Tudo isto se desenvolveu segundo o binômio democracia-isonomia, colocando assim a organização da política sobre uma ordem fundada no princípio, primeiro, da igualdade.

Estas são, em poucas linhas, as principais características do regime democrático, em suas origens.

Enquanto isto, no nosso Brasil brasileiro, neste princípio de novo século e de novo milênio, após extraordinária evolução dos costumes e surgimento da Ciência Política, segundo registram os levantamentos procedidos pela imprensa especializada, o presidente Fernando Henrique vai passar para a história como o campeão da edição e reedição de medidas provisórias no país. Nos seus seis anos de governo foram editadas 227 novas medidas e 4.451 foram reeditadas. Seus antecessores José Sarney e Itamar Franco editaram, respectivamente, 125 e 141 medidas provisórias, em dois anos.

Segundo levantamento distribuído pelo Palácio do Planalto, o ex-Presidente José Sarney chegou a atingir a média de 7,75 medidas provisórias por mês, em 1989. Trata-se da maior média mensal atingida por um presidente, contra 7,58 por mês de Fernando Collor em 1990, e 7,5 de Itamar Franco, em 1994. A média mensal de Fernando Henrique nunca ultrapassou a 4,58, e este ano foi reduzida para l,66 depois da ofensiva do Congresso para restringir o uso das medidas.

O Executivo, constituído de um único homem, como já se acha provado exuberantemente, legisla mais do que o Poder Legislativo, composto de cerca de 600 homens, legítimos representantes do povo, porque a medida provisória, baixada por ato da exclusiva vontade do Presidente da República, equivale a uma Lei, para todos os fins e efeitos.

A diferença está em que uma matéria para ser Lei, tem que ser apresentada perante o Legislativo (Câmara dos Deputados ou Senado Federal); passa pelas comissões técnicas, onde é discutida amplamente, podendo receber emendas – essas emendas serão discutidas uma a uma; é submetida ao plenário, devendo ser aprovada pela maioria das duas Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional, e só depois é remetida ao Executivo para sanção. A partir daí é transformada em Lei, publicada, e só entra em vigor após a publicação.

Já a “medida provisória” é simplesmente redigida e publicada, passando a vigorar imediatamente.

Por outro lado, no que se refere ao Judiciário, não obstante todos os preceitos constantes da chamada “Constituição-cidadã”, em muitos e repetidos casos o Executivo nega-se, acintosamente, a cumprir as decisões judiciais, desrespeitando e violando o “Estado de Direito”.

Isso parece que vem confirmar as palavras de Nietzsche, quando dizia que “os métodos de representação popular e os parlamentos são os menos apropriados para o próximo século”.

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