Democracia autêntica

Desde que entrei para o Tribunal – e nisso lá se vão vinte anos – mais da metade desse tempo tenho passado em Câmaras Criminais, lidando com processos e mais processos penais de toda espécie.

Chama a atenção a quantidade imensa de apelações envolvendo crimes de uso e tráfico de drogas. São centenas e milhares. Seus autores são homens, mulheres, jovens, velhos, crianças, nacionais e estrangeiros, provenientes de todas as partes do mundo.

Lembro-me muito bem de uma ação em que o réu era um norte-americano, que havia sido preso por ter feito uma plantação de maconha no norte do Estado, onde colhia a erva e a comercializava no país e no estrangeiro.

Condenado pelo Juiz da Comarca local, seu Advogado, jurista de primeira qualidade, sem dúvida muito bem remunerado em dólares, apelou para o Tribunal alegando nulidade da sentença e apontando inúmeras possíveis falhas no processo.

O curioso é que enquanto a matéria estava sendo examinada, recebemos a visita de representantes da Embaixada Americana, acompanhados de diplomatas brasileiros e membros do Ministério da Justiça, todos defendendo bravamente o cidadão americano, alegando maus tratos na Polícia. Comentavam acerca das condições deprimentes e miseráveis da prisão em que se encontrava, e apelavam para nossa compreensão a fim de permitir que o réu fosse liberado, quando seguiria imediatamente de volta a seu País.

Enfatizavam que a partida do acusado aliviaria o sistema prisional brasileiro e o isentaria das despesas com sua alimentação, cuidados médicos, alimentação, etc. E, naturalmente, ficaria proibido, para sempre, de regressar ao Brasil.

Tudo isso nos veio à memória quando lemos extensa reportagem publicada recentemente – 25 de agosto próximo passado – no conceituado jornal “Estado de Minas”.

O aludido periódico – um dos mais importantes do País – mandou repórteres saírem por esse mundo afora fazendo um amplo levantamento acerca da situação de brasileiros que se encontram presos em inúmeros Países, citando pelo menos uma dezena deles, especialmente Japão, Estados Unidos, Paraguai, Guiana Francesa, Suiça.

Apuraram os repórteres que “das 154 repartições diplomáticas do Brasil em todo mundo, apenas em 48 países não existem brasileiros presos ou aguardando julgamento”.

Vale ressaltar, desse impressionante relato jornalístico:

  1. “Não sabemos, com precisão, quantos brasileiros estão presos no Japão. Muitos acreditam que sejam mais de mil”.

“O sistema de investigação japonês é sigiloso e reconhecido como arbitrário e duro. A Anistia Internacional acusa as autoridades nipônicas de prática de tortura e maus-tratos. Muitas atrocidades são cometidas no Aeroporto de Narita, através de insultos e agressões. A disciplina na cadeia é considerada a mais dura do mundo. No relatório anual da Anistia há relatos de tortura nos presídios. Num dos casos, há a denúncia de violência contra um chinês pelo fato de ele não saber falar japonês”.

  1. Nas prisões dos Estados Unidos há “relatos de tortura e maus-tratos, instalações de detenções juvenis são citados pela Anistia Internacional. Os guardas de presídio usam insultos, agressões, força excessiva; comportamento sexual impróprio, e aplicação proibida de armas de eletrochoque e borrifação de produtos químicos. Qualificadas de extremamente cruéis, as supermax (presídios de segurança máxima) são locais de isolamento prolongado”.
  1. “Um relatório publicado ano passado pela Anistia, após visita em 1998 a presídios espanhóis revela maus-tratos aos detentos. As denúncias citam as prisões de Soto Del Real, em Madri, e Salto Negro, em Las Palmas. Há registro de pena já vencida, violências a presos com porretes e o uso de algemas”.
  1. “As condições nas prisões e centros de detenção bolivianos lançam por terra os padrões mínimos internacionais e chegam, na maioria dos casos, a ser excessivamente cruéis, degradando ou dispensando tratamento desumano”.

A propósito, Mendès France, o famoso estadista francês, já dizia que “a democracia é, antes de tudo, um estado de espírito”. Dentro desse contexto parece que o Brasil é um dos poucos países do mundo onde impera uma democracia autêntica.

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