Desarmamento

Ninguém pode deixar de reconhecer que nestes últimos anos nosso País tem ampliado extraordinariamente sua legislação penal. Procura-se combater o crime através de leis e mais leis. Nesse notável trabalho legiferante evidencia-se, sem dúvida alguma, uma louvável preocupação com o problema, e as boas intenções dos nossos governantes.

Assim, em rápida recapitulação, vale ressaltar: 1. Lei dos crimes hediondos; 2. Lei de criação da prisão temporária, ou seja, autorizando a prisão sem processo e até mesmo sem inquérito; 3. Lei mediante a qual “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”; 4. Lei que concede indulto e comuta penas; 5. Lei que cria crimes contra a saúde pública; 6. Lei que proíbe o emprego da palavra couro em produtos industrializados; 7. Lei que cria inúmeros novos crimes contra a propriedade industrial e intelectual.

Temos, ainda, novas leis, com novos tipos e penas majoradas, sobre os seguintes assuntos: abuso de autoridade, crimes contra a criança e adolescente, crimes contra a administração pública, crimes contra a disciplina da produção, crimes contra a família, crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo, crimes contra a ordem tributária, crimes contra os sistemas previdenciários e de seguros privados, crimes contra o trabalho, crimes de responsabilidade, crimes eleitorais e políticos, crimes falimentares, crime organizado, direito agrário e parcelamento do solo, direitos humanos, entorpecentes, estrangeiros, imprensa e comunicação, Juizados especiais, meio ambiente e ecologia, patrimônio histórico, transplante de orgãos.

Além disso, encontramos em nosso rico arsenal da legislação penal, medida provisória que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico de drogas; nova lei sobre racismo, lei sobre crime de tortura, alteração da lei das execuções penais.

E, mais recentemente, lei draconiana, que cria o crime inafiançável de porte de armas, cominando-lhe penas severíssimas.

O mais curioso nisso tudo é que quanto mais se criam leis, mais aumenta a criminalidade.

Ainda agora, insaciável em sua voracidade legiferante, o Governo vem de mandar para o Congresso Nacional – onde, sem dúvida alguma será aprovado por unanimidade – projeto proibindo a venda de armas de fogo e punindo rigorosamente os que as venderem ou adquirirem. Com isso, conforme se anuncia, visa-se a combater a criminalidade.

Acontece, entretanto, que é preciso compreender que não se cometem crimes apenas com armas de fogo.

Não custa relembrar mais uma vez, como se outras tantas não bastassem, que tudo na vida, e todo e qualquer instrumento, por mais inofensivo que seja, pode ser utilizado para a prática de crime.

Se não, vejamos.

  1. Uma pessoa pode matar a outra enforcando-a com as mãos (esganadura) – método utilizado por dois motobois em São Paulo, que estupraram e mataram mais de cem jovens. Ou dando-lhe facada, murros, pancadas e golpes. O soco de um atleta pode ser até mesmo mais mortal do que um tiro de revólver. Golpes de jiujtsu, luta romana, karatê, etc., dispõem de força letal incontestável. Mata-se, também, empurrando a vítima num despenhadeiro, num buraco, ou do alto de um edifício. Ou atiçando um cachorro ou qualquer animal perigoso sobre ela (cobra, jacaré, etc.).
  1. Um remédio apto para salvar a vida, se fornecido na dose própria, pode matar, se ministrado em maior quantidade. Ainda recentemente foi amplamente noticiado que o enfermeiro Edson, num Hospital do Rio, matou mais de cem enfermos, aplicando-lhes medicamentos errados.
  1. São muito comuns crimes de donas de casa, em cozinhas, utilizando utensílios domésticos: faca, facão, rolo de massa, etc.
  1. Um automóvel pode matar acidentalmente, como pode ser utilizado como arma para tirar a vida de quem quer que seja. Aliás isso é muito comum em se tratando do crime organizado, para efeito de simulação e dificultar, ou mesmo impossibilitar a apuração.

Não vemos, por conseguinte, a perspectiva de grandes êxitos com essa nova Lei, anunciada tão amplamente e recebida sob tão bons auspícios, pois, enquanto isso, aumenta a crise social, sementeira incontrolável da criminalidade.

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