Iniciativa louvável

Ninguém, em sã consciência, poderá deixar de reconhecer que uma das instituições jurídicas mais em crise, atualmente, e que tem sua validade questionada é, sem dúvida alguma, a prisão.

Muito embora já estejamos nos umbrais do século 21, a pena de prisão atravessou todo o século 20 sem sofrer qualquer evolução substancial. Pode-se até dizer que desdenhou todas as correntes humanistas que pretenderam revigorá-la e enobrecê-la.

Na realidade, através de anos e mais anos, continua extremamente fiel às suas origens, satisfazendo apenas e tão-somente a uma sede de vingança, a um propósito expiacionista e retributivo latente no inconsciente individual e coletivo.

A prisão humilha, espezinha, faz sofrer – mas não corrige. Mantém o homem afastado da sociedade, mas não cria nele aquelas disposições sociais cuja carência levou ao crime. Em vez de fortalecer o caráter e a personalidade, estimula novos impulsos criminosos no prisioneiro, degradando-o e embrutecendo-o.

A experiência tem provado e comprovado que o indivíduo ao sair da prisão é devolvido à sociedade estigmatizado, caindo sofregamente nos braços da reincidência. Ele mesmo sente-se convencido que não lhe resta outro caminho senão o do crime: é delinquir ou perecer.

A observação do fenômeno através do mundo, vem evidenciando às mancheias o fracasso do sistema prisional. Desde as piores e mais grotescas prisões até às mais requintadas, construídas sob os mais avançados padrões de conforto e evolução tecnológica, orientadas pelos princípios da penologia moderna, verifica-se que ao ver-se livre o detento – com poucas e honrosas exceções – descamba incontrolavelmente para a prática de novos crimes.

A solução para esse terrível e angustiante problema, muito embora procurada ansiosamente pelas forças sociais, ainda não foi encontrada, e constitui tarefa que nosso século transfere para o século vindouro; ou, a atual geração, tendo fracassado, entrega a pesada carga para os ombros dos mais jovens.

De fato, muitos congressos de criminologia vêm há muito debatendo a crise nas prisões, suas consequências e possíveis soluções. Tudo debalde. Não se conseguiu chegar a qualquer conclusão.

Enquanto isso vai-se prendendo a torto e a direito. Só se fala em mandar para a cadeia. Aqui no nosso País, além da prisão penal, destinada a autores de crimes mais graves, há, ainda, a prisão civil, destinada aos devedores de pensão alimentícia e – por incrível que pareça – até mesmo àqueles que atrasam pagamentos de financiamentos.

Efetivamente, inúmeros julgados têm enfatizado:

– O devedor-fiduciante que descumpre a obrigação pactuada e não entrega a coisa ao credor-fiduciário não se equipara ao depositário infiel, passível de prisão civil, pois o contrato de depósito, disciplinado nos arts. 1.265 a 1.287, do Código Civil, não se equipara, em absoluto, ao contrato de alienação fiduciária. A regra do art. 1º do DL nº 911/69, que equipara a alienação fiduciária em garantia ao contrato de depósito, perdeu a sua vitalidade jurídica em face de nova ordem constitucional. HC concedido (STJ-Rel.Min.Vicente Leal-DJU-6/10/97-pág. 50061).

Lamentavelmente, diante da controvérsia existente, muitos juízes ainda mandam para a cadeia, sumariamente, os infelizes devedores, atirando-os, sem dó nem piedade, em celas superlotadas, misturados com assassinos e estupradores da pior espécie.

É frente a esse quadro lastimável e doloroso, presenciado no dia a dia da atividade forense, que ficamos muito satisfeitos com a emenda constitucional que se encontra em curso no Congresso Nacional, alterando o texto atual de nossa Constituição, que passaria a preceituar expressamente, para não deixar mais dúvidas: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel de bem público ou do bem particular custodiado por ordem de autoridade judiciária” (Nova redação ao art. 5º, LXVII).

Essa notável iniciativa do Deputado José Roberto Batochio, ex-Presidente da OAB, deve merecer o apoio da sociedade. Seria o caso de todos os órgãos e entidades, bem como todos aqueles preocupados com o problema dos direitos humanos e das liberdades civis fazerem um esforço extraordinário junto a todos os parlamentares, para que tão louvável iniciativa seja aprovada.

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