Descompasso

Desde os tempos mais remotos os criminosos nunca tiveram direito de espécie alguma. Eram tratados sem dó nem misericórdia. Ladrões recebiam uma marca, a ferro em brasa, para ficarem conhecidos por toda sociedade, enquanto vivessem, que haviam delinquido; os que caluniavam, difamavam ou injuriavam, tinham a lingua cortada; mulheres adúlteras ora eram mortas a pedradas, ora afogadas – e registram as crônicas que havia uma região na China em que a condenação consistia em serem mutiladas paulatinamente: o carrasco passava a cortá-las em 200, 300, 500 e até mil pedaços; um dia cortava um pedaço dum dedo, no outro um dedo, a seguir outro dedo, e assim sucessivamente por meses a fio.

Esquartejamentos, mutilações, olhos arrancados, torturas terríveis, morte na fogueira, na roda, desterro; condenações às galés (o condenado ficava remando durante anos e quase sempre morria antes de cumprir o tempo da pena); ocasionalmente atirava-se o condenado às feras; muitos foram enterrados vivos.

Em seu maravilhoso livro “Nos Sulcos do Tempo”, nosso conterrâneo, Professor e jurista Aylton Rocha Bermudes, conta o caso, ocorrido aqui no Espírito Santo, de um escravo que, “vendo passar a fazendeira, cuja maldade não conseguia esconder a graça da mulher, não pôde sopitar a sua admiração e comentou com outro escravo: Como é bonita a Sinhá! A frase espontânea, ao invés de soar como lisonja ou elogio, foi interpretada como um golpe insuportável no recato daquela vida inutilmente imaculada. Só um castigo tremendo podia punir a audácia inconcebível e, se passasse em branca nuvem e chegasse ao conhecimento de alguém, arrasaria para sempre a reputação da senhora”.

E acrescenta o Prof. Aylton: “Ela remoeu a audácia ingênua do escravo, que, em vez de lisonjear a vaidade da mulher, açulou o orgulho autoritário da senhora. Chamou Tenório e ordenou a aplicação de um castigo que não só reparasse a ofensa e lhe lavasse a honra, mas que servisse de escarmento a outros. A maldade da senhora, a sua gana de vingança não se contentaram com uma surra de cinquenta chibatadas que seriam aplicadas no negro audacioso amarrado ao tronco, ou com a castração dele sugerida por Tenório. Era preciso um castigo maior, que lhe aplacasse o desmedido furor, devido mais à crueldade de seu temperamento do que à crueza no trato de alguns senhores para com os infelizes cativos, aos quais infligiam castigos mais severos do que aos animais. Costuraram o negro dentro de um couro de boi e atiraram a bolsa macabra na fornalha, cujo fogo tinha sido redobrado para o inominável sacrifício”.

A pena de morte era aplicada implacavelmente: forca, guilhotina, machado, garrote (iam apertando aos poucos uma forquilha colocada ao redor do pescoço do condenado), fogueira, envenenamento; usavam também atirar o condenado do alto de um penhasco; colocavam-no amarrado dentro de uma gruta onde havia ratos, cobras e outros animais peçonhentos; afogamento; amarravam-no dentro de um saco, com uma cobra, e lançavam-no ao mar.

Mas, além dos simplesmente executados, havia também aqueles que eram submetidos a torturas e terríveis padecimentos até morrerem: não eram mortos – morriam. O exemplo clássico temos em Jesus Cristo, que ficou amarrado na cruz, fincado com pregos, e foi constantemente perfurado por lanças de soldados, embebidas em vinagre ou outros ingredientes, até morrer. Isso era comum na época.

Em outros casos iam arrancando um olho, outro olho, um braço, outro braço, uma perna, outra perna, o nariz, as orelhas, etc., até que o condenado morresse. Não o matavam: deixavam-no morrer, porque, segundo entendiam, “só quem pode tirar a vida é Deus”.

Nada disso acabou com o crime, e nem sequer diminuiu a criminalidade, que campeia, sobranceira, pelo mundo afora.

Tudo isso nos vem à memória quando vemos que políticos e pseudos penalistas, querendo combater a criminalidade, editam leis e mais leis criando novas penas e pretendendo punir com mais rigor os criminosos.

A experiência histórica já demonstrou, provou e comprovou claramente que não é esse o caminho. Basta ver-se que uma das mais antigas Leis Penais do mundo e da qual surgiram muitos Códigos Penais – os Dez Mandamentos – não menciona penas. Os Dez Mandamentos dizem apenas: “Não Matarás”, “Não Furtarás”, etc. Sempre exerceram, no entanto, influência extraordinária no seio do povo, orientando o comportamento de milhões de pessoas. Isto porque Os Dez Mandamentos falam diretamente à alma – tocam na sensibilidade espiritual de todos aqueles que acreditam em Deus.

Essa é a verdadeira e eficaz Lei Penal: a que fala à alma, e não simplesmente ao corpo.

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