Digressões

A primeira forma de comunidade que a humanidade conheceu, foi a família; em seguida vieram as estirpes; as tribos; as cidades; e, finalmente, os Países modernos.

Durante essa evolução, até chegarmos ao Estado, todas essas nações possuíam suas leis, seus ordenamentos jurídicos. E tanto dentro das Nações como dentro do Estado (posteriormente) nunca deixaram de existir outras leis e outros ordenamentos jurídicos ao lado de uma linha estatal.

Nesse particular, vale destacar as Igrejas, especialmente a Igreja Católica, que chegou a editar o seu “Código de Direito Canônico”, aplicável inclusive em assuntos leigos, isto é, extra-religiosos.

Nas relações entre as nações vigiam normas do “direito das gentes”, observadas por todos, ou quase todos, consuetudinariamente. Essas normas, acatadas tradicionalmente, fizeram surgir o Direito Internacional, Público e Privado.

Nos sindicatos, nas entidades empresariais, no comércio em geral, sempre houve regras e procedimentos extra-estatais, operando normalmente dentro dessas áreas como verdadeiros institutos impostos pelo Estado. Isto para não se falar das sociedades secretas, organizações de fins proibidos e semelhantes. E para não se falar, também, de órgãos do próprio Estado, que funcionam como verdadeiros “estamentos”, com suas leis próprias, tais como as Forças Armadas, Poder Judiciário, o Itamarati, Banco do Brasil, etc.

Em todos esses setores sociais atua um direito corporativo não regulado pelo Estado, que estabelece direitos e deveres, impõe punições e possui comitês ou órgãos diretivos, que seriam “jurisdicionais”.

Pela ordem natural das coisas o Estado deve surgir como fruto da vontade nacional. O povo que compõe a Nação, se organiza e se estrutura sob uma ordem jurídica, voluntariamente.

Muitas vezes, entretanto, o Estado se estabelece contra a vontade nacional. Em virtude de revoluções, golpes militares ou manobras políticas, assumem o Poder ditaduras atrozes, afrontando os sentimentos populares e tiranizando a Nação.

São os déspotas, ditadores, que se autodesignam “salvadores da Pátria”, e que em vez de governar com a nação, governam contra a nação.

Há, na história de quase todos os povos do mundo, esses desvios na rota constitucional, causando sofrimentos e dores inestimáveis. Inimigos da liberdade e da democracia impedem o diálogo, afrontam as leis eternas da convivência humana, impõem a ferro e a fogo, a “paz dos cemitérios”, derramando o silêncio e a humilhação.

O ideal da democracia – conquista do homem em sua jornada por esta terra – quis tornar sagrada a vida humana, com seus valores básicos, insculpidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e nos Direitos e Garantias Individuais, de nossa Constituição. Isso vem desde a Constituição de 1824.

Largas manchas há, porém, na nossa História, quando as instituições não resistiram à torrente do arbítrio que veio ao seu encontro, asfixiando-as e destruindo-as.

O Estado, quando colocado em mãos criminosas e irresponsáveis é uma fonte inesgotável de crimes e torpezas.

Antes de mais nada, a guerra é o crime dos Estados.

Independentemente das guerras, mesmo em tempo de paz, inúmeros são os crimes sigilosos, ocultos, nunca descobertos, cometidos pelas polícias secretas dos Estados: matam, seqüestram, praticam atos de sabotagem, fraudes, falsificações de documentos, violações de domicílios, danos, espionagem, etc., tanto dentro das fronteiras do País, como contra “inimigos” externos, como contra opositores e adversários políticos internos.

Além disso, em tempo de paz ou de guerra, sob regime ditatorial ou democrático, imensa é a variedade de crimes praticados dentro do Estado, por seus próprios órgãos: peculatos de toda espécie, corrupção ativa e passiva, desvio de verbas ou errada aplicação de verbas, fraudes em concorrências, prevaricação, desmandos administrativos, nomeações ilegais, concussão, etc.

A maior parte dessses crimes não vem à tona, ficando abafada pelos próprios mecanismos estatais ou por influência política.

Mas, sobressaem-se ainda os crimes contra as liberdades públicas: abuso de autoridade, prisões arbitrárias, violações de domicílio, cerceamento à liberdade de opinião, de difusão do pensamento, de reunião, de ensino, ao direito de propriedade, desrespeito às decisões judiciais, torturas, homicídios, lesões corporais, etc.

Como esses crimes permanecem impunes em sua quase totalidade, pode-se dizer que o Estado, como detentor do jus puniendi, tem o direito ilimitado de cometer crimes.

Os Estados delinqüem por vários motivos: raciais, políticos, religiosos, etc. Conforme comenta Lopez Rey, “os cargos de mais importância nesse ccontexto são os serviços de informação ou espionagem, a diplomacia, a polícia de segurança, os serviços gerais de polícia, os exércitos e várias missões oficiais.

Nenhum país atualmente pode se dizer inocente. A única diferença entre eles é o grau de capacidade, da falta de escrúpulos e a magnitude da atividade dos serviços a que nos referimos.”

Aquele eminente criminologista chega a assinalar que só o Estado supera o “crime organizado”.

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