Do arquipélago Gulag

Lá pelos idos de 1973, naquela época em que o Império Soviético dominava metade do mundo, o que significa dizer que metade do mundo vivia sob as botinas do comunismo ateu e dissolvente, um escritor russo, Alexander Soljenitsin, escreveu um livro que abalou e chocou a opinião pública: “Arquipélago Gulag”.

Esse livro não foi editado na Rússia, e muito menos nos seus países satélites, mas, contrabandeado subrepticiamente para o Ocidente, aqui recebeu ampla difusão, tornando-se “best seller” internacional, fazendo com que seu autor viesse a ser agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.

Realmente, o que Soljenitsin relata em sua obra é, realmente, impressionante.

Em resumo, disse ele – e denunciou firmemente e amplamente – que no chamado “Paraíso comunista” costumava-se prender sumariamente todos aqueles taxados de terroristas, espiões capitalistas ou traidores do regime, e, independentemente de qualquer julgamento, esses infelizes eram mandados para os terrores gelados da Sibéria. Lá havia prisões espalhadas e distantes centenas de quilômetros uma da outra, como se fossem “ilhas”, formando, no seu conjunto, um imenso arquipélago: Gulag, em russo.

Os presos despachados para aquelas terríveis solidões podiam ser considerados mortos-vivos: não tinham contato com ninguém do mundo exterior. Seus familiares ignoravam onde se encontravam. Falar-se em assistência de Advogados, ou na formação de um processo legal seria mesmo um absurdo. A grande maioria não retornava mais. Eram milhares ou mesmo milhões de homens e mulheres de quem nunca mais se ouviria falar. Havia russos, poloneses, romenos, checos, húngaros, árabes aos montões, enfim, pessoas das mais diversas nacionalidades.

A exposição à opinião pública mundial do que se passava naquelas lonjuras da Sibéria, onde no verão a temperatura ambiente chega a 40, 50 graus abaixo de zero, chocou a consciência da humanidade. Explodiram protestos e manifestações em todos os países, desde a pequena Guatemala e países africanos, e, principalmente, da Europa, e, sobretudo, dos Estados Unidos da América do Norte, onde inúmeras sociedades protetoras dos Direitos Humanos e defensoras intimoratas e intemeratas da liberdade e da Justiça, mostraram-se iradas e inconformadíssimas, exigindo o respeito à dignidade da pessoa humana.

Tudo isso nos veio à memória quando a imprensa noticiou e publicou com todos os detalhes a prisão de suspeitos e criminosos do Afeganistão. Foram vistos – e claramente vistos – homens e mulheres algemados nos pés e nas mãos, acorrentados uns aos outros, com os olhos tampados, e transportados em aviões adaptados especificamente para esse fim, amarrados a cadeiras de ferro, de onde não podiam se mexer nem sequer para atenderem suas necessidades fisiológicas.

Esses pobres infelizes foram transportados pelos norte-americanos para a base naval de Guantanamo, situada em Cuba, bem como para outras prisões espalhadas pela vastidão do território norte-americano, onde, ao que parece, continuam até hoje.

Colocados em celas fechadas hermeticamente, sob calor intenso, que ultrapassava os 40 graus centígrados, ficavam completamente isolados da imprensa, de suas famílias e de toda e qualquer pessoa.

Alguns repórteres mais audaciosos, especialmente franceses e alemães, arriscando a própria vida conseguiram vencer as barreiras e manter contato com tais prisioneiros, condenados sem julgamento. Souberam e noticiaram que se achavam proibidos e impedidos até mesmo de orarem e respeitarem os ritos de sua religião.

Ao que parece, e ao que se divulga muito escassamente, a única diferença entre esses árabes e aqueles outros do Arquipélago Gulag está tão só e apenasmente em que nos domínios do comunismo ateu e dissolvente observava-se a pavorosa ferocidade comunista, enquanto aqui, agora, neste nosso mundo cristão, civilizado e democrático, esses terroristas podem se sentir tranquilos, felizes e consolados, porque padecem sob uma violência eminentemente democrática, da maior democracia do mundo.

A propósito, vale relembrar Shakespeare: “Temos esse direito; mas é um direito que não temos o direito de exercer”.

E, finalmente: “Não há torre de pedra ou muralha de aço duro, nem calabouço infecto ou fortes elos que possam resistir à força do espírito”.

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