Do dever legal

Quando o ato é ordenado ou autorizado pela lei, assim como, quando é executado por ordem de autoridade legítima, não há crime. Está justificado. Como diz Garraud, “imaginar uma lei que não deva ser executada é tão absurdo como ver um crime na execução da lei” .

É o que ocorre, por exemplo, com o carrasco, cuja profissão consiste exatamente em tirar a vida dos condenados. Seria o maior dos absurdos considerar-se crime o que ele faz, se não é nada mais nada menos do que o cumprimento de uma obrigação funcional.

O estrito cumprimento do dever legal aplica-se especialmente àqueles casos em que há homicídio, lesões corporais e agressão a direitos individuais na execução de uma ordem baseada em Lei, norma, regulamento, mandado judicial ou administrativo. Fica excluída a responsabilidade penal dos encarregados da execução.

São exemplos de atos praticados no estrito cumprimento de dever legal: o homicídio realizado pelo carrasco ou por um pelotão de fuzilamento; os homicídios do inimigo no campo de batalha em tempo de guerra, ou durante o enfrentamento de uma subversão à ordem pública, em tempo de paz; a prisão em flagrante efetuada pelas autoridades policiais ou seus agentes, bem como as lesões corporais produzidas no delinquente, ao ser preso; a entrada ou permanência de autoridades policiais e seus agentes, em casa alheia, durante o dia, para efetuar prisão ou diligência; durante o dia ou durante a noite, “quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser” (CP, art. 150); busca pessoal, busca domiciliar, arrombamento, se necessário, pelo executor da busca domiciliar, de casa, para nela entrar e fazer a busca, rompendo, se preciso, todos os obstáculos em móveis ou compartimentos onde, presumivelmente, possam estar as coisas ou pessoas procuradas.

E, mais: a visita domiciliar do “mata-mosquito”, nos termos do Regulamento da Saúde Pública; a entrada ou permanência do fiscal municipal, a fim de verificar se no interior da casa o proprietário está fazendo obra sem a devida licença ou para inspecionar in loco o lançamento a ser feito para o imposto predial, nos termos da legislação municipal; o exame dos livros comerciais por parte dos agentes do fisco federal, estadual, municipal, da fiscalização do Ministério do Trabalho, da fiscalização do INSS.

Em todas essas circunstâncias, e outras semelhantes, é a lei que dá o caráter de licitude aos atos de seus agentes.

Os soldados, quando se acham em determinado posto de sentinela, gozam desta excludente ao praticarem atos que muitas vezes são criminosos, mas que no entanto, constituem obrigação indeclinável que emana das leis e dos regulamentos. Faz parte de seu dever atirar para matar, no intruso que não pare imediatamente após seu sinal de advertência. Se não fizer isso, colocará em risco a segurança do estabelecimento militar, e poderá ser punido severamente, e até mesmo excluído.

Compreendem-se favorecidos por esta eximente todos aqueles que agem no cumprimento de dever imposto pela lei ou que decorre do exercício de autoridade, cargo ou função que lhe está confiado.       Cumpre salientar que para poder estar coberto por esta justificante, o agente deve ter aplicado a violência na medida do necessário. Se não, responderá por abuso de autoridade ou pelo resultado típico que ocasionar. Não há proporcionalidade entre a ação e a reação do policial que dá um tiro de revólver no indivíduo que furtou algumas frutas numa feira, ou pequenos objetos numa mercearia e saiu correndo, ao receber ordem de prisão; ou o que agride e bate num ébrio que se recusa a embarcar no “camburão”.

Os policiais e oficiais de justiça quando invadem residências para fazerem vistorias, arrombam portas e apreendem coisas executando mandado judicial, não cometem crime, pela ausência de antijuridicidade, considerando que o fato praticado não passou do cumprimento de tarefa inerente a seus cargos.

É por todas essas razões que ficamos realmente estarrecidos quando lemos e ouvimos declarações de autoridades das mais respeitáveis que dizem, alto e bom tom, que o policial estava no estrito cumprimento do dever legal quando matou o criminoso que reagiu à bala à sua voz de prisão.

A este respeito, leciona Nelson Hungria: “No caso de resistência agressiva por parte de quem está adstrito a sofrer ou tolerar o exercício do direito, o titular deste pode reagir em legítima defesa”.

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