Do Dr. Jacarandá

Nas primeiras décadas deste século XX que se encontra em pleno ocaso, destacava-se a figura do Dr. Jacarandá, emérito advogado no Rio de Janeiro, famoso pelas causas difíceis que conseguia ganhar através de seus contos e epigramas.

Dizem que o Dr. Jacarandá passava numa rua, à noite, quando viu um indivíduo junto a um poste iluminado, procurando algo no chão. Perguntou-lhe, então, o que procurava com tanto empenho, porque queria ajudá-lo. E o cidadão respondeu: “Minha aliança, que caiu do meu dedo”. Aí o Dr. Jacarandá indagou: “Onde ela caiu?”. E a resposta: “Logo ali” – e apontou para um local a uns 5 metros de distância.

Então o Dr. Jacarandá, curioso, insistiu: “Mas meu amigo, se ela caiu ali, como é que você a está procurando aqui, tão distante?” E a resposta: “Porque ali está muito escuro, e aqui estou debaixo da luz do poste”.

Este caso nos vem à mente quando vemos o que se passa no nosso País no que se refere ao combate à criminalidade.

Ainda há poucos dias a imprensa registrou que, no Rio de Janeiro, cerca de 25 pessoas, entre homens e mulheres, todos jovens, interromperam o trânsito nos dois sentidos da estrada Grajaú-Jacarepaguá, no início da noite, e saquearam mais de 50 carros, assaltando seus ocupantes.

O tráfego na pista de descida foi interrompido porque os bandidos atravessaram o ônibus no meio da pista, enquanto outros saqueavam os motoristas de veículos que passavam pelo local.

Segundo declararam os policiais, “essas ações de bandidos têm sido frequentes nas duas últimas semanas. Os bandidos a chamam de “sacode da amizade”, segundo um policial de plantão na delegacia”.

No outro dia saiu publicado que os bandidos agarraram uma delegada de polícia e cortaram dois dedos de sua mão, “para nunca mais atirar em ninguém”.

Os bandidos não respeitam sequer a Polícia. Não a temem. Cada dia são mais comuns crimes com vítimas policiais. Ainda há poucos dias a população tomou conhecimento, chocada, do brutal assassinato de um jovem Sargento da nossa Polícia Militar.

As invasões de presídios para soltarem cúmplices e asseclas, tornaram-se rotina. Assalta-se, estupra-se e mata-se dia e noite, todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados.

Enquanto isso foi amplamente noticiada a prisão de cinco modestos pescadores que, pensando unicamente na sua sobrevivência e de sua família, estavam catando caranguejos. E que um humilde lavrador levou um tiro da polícia, e morreu, porque o encontraram na mata caçando tatu.

Houve também o caso de uma mulher de cerca de 60 anos, que morreu, juntamente com sua filha menor, quando se encontravam em casa. A Polícia invadiu a casa, atirando, à procura de traficantes, prendeu quem se achava por perto, e, na busca minuciosa efetuada, encontrou dois baseados de maconha. Cada baseado custou uma vida.

Realmente, é muito mais fácil, à semelhança daquele cliente do Dr. Jacarandá, sair por aí prendendo camponeses, lavradores, pescadores, homens pacíficos e desarmados, do que enfrentar essa criminalidade violenta e enlouquecida, com que nos deparamos.

Filósofos e pensadores, humanistas e religiosos em geral denunciam constantemente a situação insuportável em que se encontram nossas prisões, abarrotadas de pessoas amontoadas umas sobre as outras. Mas, se se fizer uma triagem, verificando a verdadeira situação das coisas, vai-se chegar à conclusão que naquela montoeira de prisioneiros há poucos condenados, pouquíssimos daquele tipo “besta-fera” incurável, e a grande maioria é constituída de delinquentes de periculosidade mínima ou média, sendo que muitos deles são devedores de financeiras ou de pensões alimentícias.

À medida que aumenta o desemprego, a fome e o desespero, a sociedade assiste a uma criminalidade incontrolável.

Bem sábia é a lição de Anatole France, quando dizia que “o trabalho é bom para o homem. Distrai-o para a própria vida, desvia-o da visão assustadora de si mesmo; impede-o de olhar esse outro que é ele e que lhe torna a solidão horrível. É um remédio soberano à ética e à estética. O trabalho tem ainda isto de excelente: divertir a nossa vaidade, enganar a nossa impotência e comunicar-nos a esperança de um bom evento”.

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