Dos indígenas

Diz Roberto Lyra em seu magnífico livro “Direito Penal”, que quando os portugueses chegaram aqui no Brasil, “O Direito, entre os selvagens, à época da colonização, era mais adiantado do que o de seus pretensos civilizadores. Basta comparar as Ordenações do Livro V (Código dos Civilizados) com os costumes penais dos indígenas” (pág. 378).

Por sua vez, assinala Rocha Pombo, em sua “História Geral do Brasil”, que “no seio da tribo as condições sociais do selvagem, quase que se podia dizer, não eram inferiores às do homem moderno no seio da civilização”, e, “o Direito entre os índios, quer na tribo, quer na taba, quer na família, era um fenômeno tão real, pelo menos, como o é entre os povos mais cultos. Apenas não havia na sociedade rude das selvas o Direito escrito” (vol. I, pág. 169).

Efetivamente, fazendo-se ligeiro retrospecto histórico, não podemos deixar de reconhecer que razão têm os dois ilustres patrícios nossos: o penalista e o historiador.

O Direito Penal brasileiro foi regido, no período colonial, pelas Ordenações Afonsinas (de 1500 a 1521), Ordenações Manuelinas (de 1521 a 16O3) e Ordenações Filipinas (de 1603 a 1830).

As Ordenações, tanto as Afonsinas, como as Manuelinas, como as Filipinas, situam-se no período da Vingança Pública.

Das Ordenações, a que teve vida mais prolongada, estendendo-se, pode-se dizer, por quase toda a fase do Brasil-Colônia, foram as Ordenações Filipinas. Regulavam todo o nosso direito, e a parte especificamente da matéria penal era o Livro V.

Portanto, o Livro V das Ordenações Filipinas foi, na verdade, nosso primeiro estatuto penal.

Nessa Legislação dos brancos, cultos e civilizados encontramos as seguintes peculiaridades:

  1. a) a religião católica era a religião oficial do Estado. Quem não pertencesse a ela sofria as mais atrozes perseguições. A Inquisição só deixou de existir em Portugal com a revolução de 182O. Crimes como a heresia, blasfêmia, perjúrio, quebra do jejum na quaresma, etc., eram punidos com as galés, torturas, laceração e até a morte.
  2. b) a pena era aplicada de acordo com a qualidade da pessoa. A sociedade estava dividida em classes, e os nobres, fidalgos, aristocratas gozavam de ampla isenção, enquanto os homens comuns, do povo, tinham que se sujeitar impiedosamente aos rigores da lei.
  1. c) o regime de escravidão, aplicava-se a negros e índios, e o da semi-escravidão, a portugueses e judeus que vieram para cá banidos, degredados, submetidos a penas exageradas, inclementes e desumanas.

Outrossim, relativamente ao Direito dos selvagens, vejamos o que registra a História.

Relata Assis Ribeiro que “o Direito selvagem estava na consciência dos índios. Residia nas tradições e nos costumes das tabas e das tribos. Aí os princípios jurídicos se encontravam e eram religiosamente respeitados” (Direito Penal Brasileiro, pág. 56).

E: “pelo que nos foi lícito verificar, o índio não era nem mais nem menos carregado de vícios do que o atual homem civilizado. Talvez não exagerássemos ao afirmar que eles tinham menos obrigações e menos costumes corruptos. Não podemos negar aos índios conceitos de família, de propriedade, de liberdade, de autoridade, de governo, de organização de justiça e, por conseguinte, de princípios jurídicos.”

Varnhagen fala que as decisões para a guerra eram tomadas por um Conselho, denominado “Nhêmongaba”, a quem competia, também, decidir sobre sentenças de morte, quando, então, o condenado era entregue aos parentes da vítima.

Condutas punidas, dentre os indígenas, eram, principalmente o homicídio, lesões corporais, furto, adultério, rapto, e, com a maior severidade, a deserção ao serviço militar, especialmente a covardia frente ao inimigo.

Eram tolerantes com os velhos e as mulheres. Devotavam verdadeira veneração aos homens de idade. Respeitavam e perdoavam as mulheres, reconhecendo-lhes uma espécie de responsabilidade “atenuada”, exceto no que se referia ao adultério.

Reprimia-se, também, com rigor, o estupro e o rapto para fins sexuais, que, quando a vítima pertencia a tribo diferente, ocasionavam até guerras, ou pelo menos conflitos sangrentos. O infanticídio e o aborto não constituiam crimes. Eram admitidos normalmente pelos usos e costumes, sobretudo quando o recém-nascido possuia defeito físico ou se tratava de filho gerado por adultério ou estupro.

Compulsando-se os historiadores e os relatos de jesuítas e cronistas da época, conforme observa Nelson Hungria, não se vê uma simples citação de um fato de morte cruel, que consistisse em tirar lentamente a vida do condenado por entre tormentos.

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