A bico de pena

A chamada Primeira República, ou “República velha”, iniciou-se com a proclamação da República, em 1889, e durou até 1930, quando se desencadeou a Revolução, que depôs Washington Luis e colocou Getúlio Vargas no Poder, onde permaneceu até à deposição, em 1945.

Durante a república velha as eleições eram pelo sistema chamado de “bico de pena”. Conforme leciona o eminente Ministro Walter Costa Porto em seu interessantíssimo “Dicionário do Voto”, as eleições, a bico de pena, embora formalmente corretas, em vista da documentação apresentada, eram, na verdade, inteiramente falseadas.

Comenta Belisário de Souza, em “O sistema eleitoral brasileiro no Império” que, segundo as atas, “são as mais regulares; não há uma só formalidade preterida, tudo se fez a horas e com os preceitos das leis, regulamentos e avisos do governo; é difícil que ofereçam brecha para nulidades”.

Segundo Francisco de Assis Barbosa, citado por Afonso Arinos, “as eleições se faziam mais nas atas que nas urnas. Havia especialistas na matéria. Enchiam laudas e laudas de almaço num paciente exercício de caligrafia, com a caneta enfiada sucessivamente entre cada um dos dedos da mão direita, para repetir em seguida os mesmos golpes de habilidade com a mão esquerda. A pena mallat 2, a mais comum, era também a mais indicada para semelhante prestidigitação – corria sobre o papel, ora com força, ora com suavidade, o bico virado, para cima ou para baixo, em posições as mais diversas, a fim de que o traço não saísse igual – frouxo, firme, tremido, grosso, fino, bordado, caprichado, mas sempre diferente”.

Pois sob esse regime foram eleitos, na Republica Velha, dois grandes Governadores que nosso Estado conheceu: Nestor Gomes e Florentino Avidos.

Como descreve Marien Calixte em seu valioso livro “Florentino Avidos – Um homem à frente de seu tempo”, Nestor Gomes “morreu num hospital em Belo Horizonte, vítima de tuberculose, indigente, esquecido, paupérrimo. Morreu só, e dessa maneira foi sepultado”.       E Florentino Avidos, conhecido pelo apelido de “Dr. Obreiro”, dado seu extraordinário ritmo de trabalho, construtor de inúmeras importantes obras em todo o Estado, dentre as quais a ponte sobre o rio Doce, em Colatina, e as cinco primeiras pontes ligando Vitória ao continente, designadas “Pontes Florentino Avidos”, saiu do Governo em 1928.

Eleito Senador em 1929, logo em seguida, teve seu mandato cassado pelo Governo revolucionário, pois permaneceu fiel a seus amigos e aos seus ideais, até o fim.

Relata Marien Calixte que, “ao assumir sua cadeira no Senado, em 1929, Florentino declara-se legalista, fiel ao presidente Washington Luis. O novo Senador do Espírito Santo não se deixa seduzir por qualquer oferta ou aproximação com o getulismo que incendeia o País. O nome do Senador capixaba é incorporado à lista negra dos políticos contrários a Getúlio Vargas, cuja mão de ferro começa a desabar sobre a República brasileira. Avidos sente-se deslocado no meio político. A pressão getulista isola-o. Avidos não recebe qualquer manifestação de apoio”.

Desde então, até sua morte, em 1956, passou a viver de seus míseros proventos de aposentadoria. Morreu aos 70 anos, pobre e sem recursos, ajudado principalmente pela família.

Estes são dois exemplos edificantes de homens públicos que honram a História do Espírito Santo.

Por isso, vale muito bem relembrar as palavras de Santiago Dantas quando, fazendo um paralelo entre o passado e o presente, dizia que “naquela época da chamada República Velha, através de um método errado, escolhia-se certo, enquanto hoje, pelo método certo, escolhe-se errado”.

Enviar por e-mail Imprimir