Dos precatórios

Três casos:

  1. O cidadão estava tranquilamente num bar, onde foi fazer um rápido lanche, no intervalo do trabalho. Deu-se um assalto num Banco situado em frente. Na troca de tiros entre a Polícia e os assaltantes, uma bala perdida atingiu esse cidadão que, carregado para o Hospital, não resistiu e, poucos dias depois, faleceu. Deixou viúva e três filhos menores: um de 8 meses, outro de 2 anos e um terceiro de 5 anos.
  1. O cidadão estacionou seu carro numa rua, em local permitido pela Lei, e foi para seu escritório, trabalhar. Eis que passa um carro policial, perseguindo um bandido, e, desgovernado, dado o nervosismo do motorista, bate no carro estacionado, ocasionando-lhe inúmeros danos.
  1. O cidadão vai tratar de negócios numa repartição pública. Eis que, ao subir no elevador, este, por já estar muito velho e mal conservado, despenca no poço. O cidadão, devido à violência da pancada, sofre problemas na espinha e fica paraplégico, numa cadeira de rodas, pelo resto da vida.

Nestes e em todos os casos semelhantes o cidadão tem, por Lei, direito a ser indenizado pelo Estado – entendendo-se por Estado o Poder Público em geral: União, Estados, Municípios.

Acontece que o Estado não paga mediante simples requerimento, nem pela apuração, de plano, dos fatos. Há necessidade de se instaurar um processo. Este processo se inicia na instância inferior (Juiz de primeiro grau), no qual o cidadão, através de Advogado, relata o que se passou e oferece os meios de prova. O Juiz manda citar o Estado, que apresenta contestação e requer a produção de provas.

Depois de idas e vindas, o Juiz prolata sentença: considera suficientemente provados os fatos alegados, reconhece o direito ao ressarcimento do dano, e condena o Estado.

Mas o Estado, apesar dessa decisão judicial, rotineiramente não se conforma. Interpõe recurso para o Tribunal de Justiça, onde o processo sofre outra espécie de tramitação: distribuição para um Relator, julgamento pelas Câmaras Isoladas, Câmaras Reunidas, até chegar ao acórdão, ao qual são opostos embargos.

Decidida a matéria pelo Tribunal de Justiça, o Estado ainda recorre para o Superior Tribunal de Justiça, ou para o Supremo Tribunal Federal, ou para ambos. Lá o processo demora mais alguns anos.

Confirmada a sentença de primeiro grau em todas as esferas de jurisdição, o processo retorna à instância inferior para entrar na fase de execução. Porque até então foi discutido o direito à indenização; não se sabe ainda, entretanto, a quanto corresponderia o valor dessa indenização.

Feitos os devidos cálculos e elaborada a conta por peritos oficiais, aí, então, os cidadãos lesionados em seus direitos dispõem de um crédito concreto a receber do Estado.

Há, entretanto, outro aspecto: não é porque a dívida do Estado esteja plenamente reconhecida, com sentença passada em julgado e valor fixado em reais ou Obrigações do Tesouro Nacional, TDs, ou qualquer índice semelhante, que o cidadão vai simplesmente passar no Caixa do Estado e receber o seu. Não. Absolutamente. Depois disso o Tribunal manda preparar o Precatório.

Chama-se “precatório” a ordem judicial para o Estado pagar o que deve. O valor do precatório é incluído no orçamento do ano vindouro. Ocorre, porém, que mesmo depois de incluído o precatório no orçamento, o Estado não paga.

A nível estadual, federal e municipal há centenas e milhares de precatórios não-pagos, sob a alegação da falta de recursos do Estado para pagamento.

No caso relatado acima sob o número 1, a viuva da vítima já morreu e todos os filhos menores, depois de uma vida miserável, em que passaram as piores privações, contam hoje com mais de 20 anos. Muito embora filhos de classe média inferior, o assassinato acidental do seu pai lançou-os na mais negra miséria. Graças à tenacidade de sua mãe, conseguiram romper, “comendo o pão que o diabo amassou”. Tinham direito a uma vida muito melhor, se sua mãe recebesse a pensão a que, inegavelmente, tinha direito – conforme reconhecido pela Justiça de Deus e pela Justiça dos homens.

Vale relembrar esses casos para assinalar que, junto a inúmeros direitos de funcionários, concedidos pelo legislador e retirados arbitrariamente pelo Executivo, há muitos outros que se referem, inegavelmente, a cidadãos em geral, despidos de qualquer função pública.

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