Do problema penal

Segundo se aprende nos rudimentos de Direito Penal, a pena tem, basicamente, três finalidades: 1. prevenção especial; 2. prevenção geral; 3. readaptação social.

Através da prevenção especial, o criminoso é colocado numa prisão, afastado do convívio social, para não cometer outros crimes, ou seja, para não voltar a delinquir.

O crime – principalmente aqueles que importam em violência à pessoa, como homicídio, estupro, roubo, etc. – causa apreensões à sociedade, infunde um sentimento de medo, gera a intranquilidade e insegurança.

Os antigos levavam tão a sério a necessidade de impedir que o agente praticasse novos crimes, que aplicavam desmedidamente a pena de morte, dada sua eficácia absoluta, nesse particular.

Recolhido o criminoso à prisão, para cumprir sua pena imposta pelo Estado, em vista do crime cometido, dá-se a prevenção geral, pois o exemplo do castigo intimida as pessoas propensas ao crime, atuando, por conseguinte, coativamente, sobre a sociedade.

Mas, o criminoso não pode ficar apenas preso. O Estado deve aproveitar essa oportunidade para “ressocializá-lo”, isto é, oferecer-lhe a possibilidade de aprender uma profissão, estudar, fazer cursos de especialização, enfim, tornar-se útil e produtivo. Ou seja: o Estado tem obrigação de envidar todos os esforços para a readaptação social do indivíduo que muitas vezes cometeu crime por despreparo, ignorância, revolta, enfim, por “desajustes sociais”.

Como se vê, o ponto fundamental de toda teoria jurídico-penal está na prevenção especial. Para haver a intimidação da sociedade e evitar a proliferação do crime (prevenção geral), e para a recuperação de mentes desviadas e temperamentos desajustados (readaptação social), é preciso, antes de mais nada, que o agente que cometeu crime seja preso e mantido preso, cumprindo uma pena.

Pois é exatamente aí que está a origem do triste quadro com que nos defrontamos em nosso País, em matéria de segurança pública. Os autores de crimes não são presos; se presos, fogem da cadeia; se não fogem da cadeia são logo liberados, dadas as facilidades legais. E daí voltam a cometer crimes.

Fala-se muito em aumento da criminalidade. Não dispomos de dados estatísticos a respeito, mas pela nossa experiência, temos certeza absoluta que o que há é aumento no número de crimes, pois o que vemos é uma quantidade cada vez maior de crimes cometidos pelas mesmas pessoas.

Quando o crime se alastra e atrai mais pessoas, há, evidentemente, aumento da criminalidade. Mas quando são sempre as mesmas pessoas cometendo cada vez mais crimes, o que há é, tão-só, aumento do número de crimes.

Constantemente vemos processos criminais na Justiça em que a Folha de Antecedentes do acusado daria para encher uma edição de domingo do “Jornal do Brasil”.

Lembramo-nos muito bem que quando da discussão da lei de reforma da Parte Geral do Código Penal houve manifestações de inúmeros segmentos do mundo jurídico, advertindo para a gravidade da situação que se criaria. Houve, em São Paulo, uma reunião de membros do Ministério Público de todo o País, da qual saiu um “Manifesto à Nação”, chamando a atenção para o que viria a ocorrer no nosso País através a introdução de tantas facilidades e tanta tolerância. De nada adiantou – o Congresso ainda ampliou as vias legais existentes e ainda criou outras, para o criminoso obter a liberdade, ou mesmo permanecer solto após o crime.

E é o que vemos hoje.

Isso nos faz lembrar certa passagem da literatura judia:

“Narra uma velha história que, durante aceso debate a propósito de um certo problema levantado pela interpretação do Talmude e sobre o qual nenhum consenso havia sido conseguido, o rabino Eliezer, cujo pensamento jurídico rigoroso e elegante não era seguido pela maioria dos presentes, afirmou que, se o seu raciocínio fosse correto, um carvalho situado fora da sinagoga se deslocaria. Quando a árvore se moveu de fato, os demais rabinos não pareceram impressionados. Eliezer vaticinou então que, caso estivesse com a razão, o curso de um rio vizinho inverteria a sua direção, o que efetivamente aconteceu; acrescentou ainda que os muros da escola rabínica se desmoronariam, o que de novo sucedeu.

Estas maravilhas não convenceram, no entanto, os rabinos. Por fim, proclamou solenemente que o próprio Céu faria a prova da sua razão. Foi então que uma voz celeste confirmou a opinião de Eliezer. Todavia, até mesmo desta voz os rabinos discordaram, dizendo: “Não podemos dar atenção à voz divina porque Tu mesmo escreveste no Torah, no Monte Sinai, que nos devemos inclinar perante a opinião da maioria”. E Deus riu então, repetindo: “Os meus filhos me venceram, os meus filhos me venceram” (Talmude da Babilônia, Baba Mezia, 59b).

O que se passou e se passa no nosso País não é nada diferente.

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