Justiça comparada

Três casos:

  1. Tropas do Exército norte-americano invadem o Panamá – pequeno e desarmado País da América Central – matam mais de cem mil panamenhos, prendem o seu Presidente da República e, sob a acusação de envolvimento no tráfico de drogas, carregam-no, algemado, para os Estados Unidos. Lá é processado, julgado e condenado a (se não me engano) 18 anos de prisão.

O Sr. Noriega impetra uma ação perante a Suprema Corte dos Estados Unidos. Alega que não cometeu crime algum nos Estados Unidos, e que teve seu país invadido, num Estado de guerra, e, por conseguinte, se considerava “prisioneiro de guerra” e nada mais. E que, uma vez terminado o “estado de guerra”, deveria ser libertado e retornar ao seu País, onde, se tivesse de responder por algum crime, seria o único fôro competente.

A Suprema Corte dos Estados Unidos confirma a decisão de primeira instância e declara a competência da Justiça americana, razão por que o Sr. Noriega continua preso – já há uns 5 anos – cumprindo a pena que lhe foi imposta.

Tudo no perfeito estilo da antiga Roma (Lex Romana). Os exércitos romanos costumavam prender Reis e Imperadores dos países conquistados, humilhá-los, carregando-os pelas ruas apinhadas de gente, trancados dentro de uma jaula, julgá-los e condená-los. Foi por não querer se sujeitar a isso que Cleópatra se suicidou.

  1. O grande e notável lutador de box, Mike Thysson, por ser negro, permaneceu durante quatro anos trancado atrás das grades numa penitenciária, por um fato que no Brasil nem constituiria crime – não haveria sequer abertura de inquérito policial: uma mulher, preta como ele, foi ao seu apartamento às duas horas da madrugada, e, segundo ela mesma alega (pois não houve testemunhas), teria havido uma “tentativa de estupro”.

Como o júri era composto apenas de brancos, e dado o absurdo da acusação, houve recurso nas diversas instâncias, até o requerente chegar às portas da Suprema Corte.

Eis que a Suprema Corte norte-americana confirma o veredito.

  1. O jogador O.J. Simpson é acusado de ter matado sua mulher. Processado e julgado, acaba absolvido. Ou seja; a Justiça decide que a morte daquela mulher não foi através de crime, ou, se houve crime, o Sr. Simpson não foi o autor.

Por incrível que pareça, a mesma Justiça americana acaba de condenar o Sr. Simpson a indenizar a família de sua ex-esposa em cerca de 8 milhões de dólares. Ou seja: o Sr. Simpson é irresponsável penalmente, mas é responsável civilmente. Não cometeu crime, mas está obrigado a indenizar o dano causado pelo suposto crime. O episódio chega a ser “kafkiano”.

A conclusão do julgamento desses três casos – públicos e notórios, amplamente divulgados pela mídia – seria inimaginável na Justiça brasileira. No entanto a Justiça brasileira é tão atacada, criticada, e incompreendida.

Se não, vejamos:

  1. Caso PC – um dos maiores escândalos políticos do País, onde foram constatadas e provadas fraudes de milhões de reais pelo Executivo e pessoas ligadas ao Executivo: não há um preso sequer. O único que esteve preso uns dois ou três anos, Sr. PC, já estava solto quando o assassinaram.
  1. Escândalo dos anões do orçamento – envolvimento de membros do Poder Legislativo. Ninguém foi preso.
  1. Fraudes da Previdência Social – envolvimento de um Juiz de Direito, que se encontra preso até hoje (já decorridos 5 ou 6 anos), condenado a (se não me engano) 15 anos de prisão.

Pela simples análise desses casos, vê-se que já está bem na hora de se fazer justiça à Justiça. Nos crimes de agentes do Executivo e do Legislativo, impunidade absoluta. No julgamento de um Juiz pelo Tribunal a que estava subordinado, o máximo rigor.

A Justiça brasileira é acusada e atacada porque reconhece direitos de funcionários frente ao arbítrio dos governos; evita abusos do Executivo; e, como é quase regra geral, concede mandados de segurança e habeas corpus (como os concedia durante o regime militar, tendo sido cassados e presos inúmeros juízes por causa disso), frente à violência do Estado contra os cidadãos.

A Justiça do Trabalho, por atuar vigilantemente na garantia dos direitos conferidos pela Lei aos trabalhadores, é o alvo predileto de todas espécies de assacadilhas.

Enfim, o Poder Judiciário brasileiro tem sido a última trincheira dos fracos, desvalidos e tripudiados pelo Poder do Estado – esse Leviatã onipotente e todo poderoso, de que falava Hobbes.

Enquanto o Judiciário era retrógrado, reacionário, acomodado, sempre julgando a favor do Governo e dos poderosos, nunca foi alvo de qualquer crítica: era solene, majestoso, intocado e intocável. A partir de alguns anos, quando fêz a opção pela verdadeira Justiça, que não marginaliza os mais fracos, tornou-se alvo predileto de toda espécie de acusações.

Essa é que é a pura verdade, que necessita ser considerada, ressaltada e refletida, pela sociedade em geral, ou pelo menos pelos diretamente beneficiados por essa mudança de comportamento.

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