Lições da história

Diz o aforismo jurídico que “não basta ter direitos; é preciso poder exercê-los”. E só se pode exercê-los através de um processo. Esse processo, tanto no cível como no criminal, era rápido, sumário, veloz, nos regimes autocratas. Tinham, contudo, rito secreto. Não havia contraditório. A espada da Justiça descia implacável e sem apelação, de acordo com o livre arbítrio e o simples convencimento do Juiz.

A Revolução Francesa, ao instituir os direitos humanos e ao proclamar as liberdades e garantias dos cidadãos, abriu caminho para as notáveis transformações que se sucederam, especialmente as promovidas por Napoleão, poucos anos mais tarde, imitadas por todos os países, a seguir.

O processo tornou-se público, de portas abertas; todos começaram a ter direito a um advogado, que deveria acompanhar o andamento da ação, passo a passo; criou-se o contraditório, o duplo grau de jurisdição; a perícia única desapareceu. Aquele tipo de processo relatado por Kafka, em seu famoso livro, virou reminiscência histórica.

A ampla defesa incorporou-se como norma expressa, a todas as constituições democráticas, a partir de então.

O Juiz não concede direitos — não faz mais que declará-los, porque os reconhece preexistentes.

O homem, em sociedade, tem direitos particulares que a natureza lhe deu como indivíduo, e direitos universais, que lhe são dados como membro de uma sociedade.

Platão dizia que significavam uma dupla maldição a necessidade e o excesso, argumentando que um bom Estado devia lutar contra ambos inimigos de sua felicidade (República, V, 47O). A abundância pode causar os mesmos estragos que a maior miséria.

Proclamava Fichte que: “Ser livre não é nada; fazer-se livre é o sublime.”

No dizer de Hermógenes, “quando é grande a nossa fé, Deus faz o milagre de transformar em flores os punhais que nos atiram” (Mergulho na Paz, 2Oa. Edição, Record, p. 121).

Os romanos criaram uma justiça estática; os tempos modernos, neste novo milênio, impõe-nos a missão de criar uma justiça dinâmica.

Nosso intangível direito não é nada mais do que perspectivas, possibilidades e imputações. A experiência mostra que todo direito finalmente se aniquila em conseqüência de possibilidades perdidas e por falta de energia. A crítica às idéias processuais não é nada mais do que uma crítica às idéias políticas.

Vale, sem dúvida, tanto para os indivíduos como para o povo, que todo Direito e portanto seu Direito, no fundo nada mais é do que um resumo de possibilidades e acusações em luta, que valerão como direito.

O direito do povo, portanto, o chamado “direito individual” oriundo do liberalismo dos tempos modernos, transformou-se em direito processual. O direito, em sua expressão material, só pode florescer, viver e manifestar-se através do processo, e o processo só é verdadeiro quando aquecido sob as luzes do liberalismo, de concepções filosóficas igualitárias e que olhem para a sociedade como um todo, baseadas em idéias fundamentais adaptadas aos fenômenos atuais.

Estas reflexões nos vêm à mente quando observamos as sucessivas críticas que são feitas à morosidade da Justiça. Esquecem-se, contudo, que os juízes estão rigorosamente obrigados a respeitarem os prazos e todo o rito estabelecido pelos Códigos e por toda a legislação processual vigorante.

Mesmo assim, levantamento efetuado pela Professora Maria Tereza Sadek e amplamente divulgado pela imprensa, inclusive através da coluna Élio Gáspari, registra que, apesar dos imensos obstáculos, e da notória precariedade de recursos, “em 1998, cada magistrado brasileiro julgou, na média, 704 processos”, o que, de fato, não deixa de ser uma cifra bastante significativa. Segundo as estatísticas, só no Rio Grande do Sul, “a relação entre os processos abertos e os julgados é de 95%”.

Inegavelmente nossos Códigos, depois de uma longa e penosa caminhada, que começou há séculos, já nos tempos dos romanos, antes do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, estão bem na hora de serem mudados. Basta ver o êxito extraordinário dos Juizados Especiais (Juizados de pequenas causas).

Urge que partamos, sem demoras e sem vacilações, para a remoção das ruínas e dos escombros de um edifício que, majestoso outrora, muito nos abrigou, mas do qual, no momento, só restam recordações e saudades.

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