Negros do Espírito Santo

Dizia Lombroso, o fundador da criminologia, há cerca de cem anos, que a loucura, o suicídio e o crime são privilégios da raça branca.

Realmente, qualquer um que se der ao trabalho de investigar e pesquisar, verificará, sem muita dificuldade, que é insignificante o número de negros internados nos manicômios; que raríssimos são os casos de suicídio de negros; e que o percentual de crimes de negros só fica em cifras irrelevantes, rarissimamente chegando a 10 ou 15 por cento.

Muito embora leigos e jejunos na matéria procurem divulgar atabalhoadamente que nas prisões só há negros, qualquer um que, mesmo por curiosidade, visitar os estabelecimentos prisionais em geral constatará, sem muita dificuldade, que Lombroso tinha razão, pois a maioria da população carcerária é constituída de brancos, e, em se tratando de outras raças, estarão ali, no máximo, alguns mulatos ou pardos, mas, inegavelmente, apenas alguns negros.

A raça negra tem se mostrado através dos tempos e em toda a história da humanidade como constituída de gente pacífica, tranquila, desambiciosa, e, sobretudo trabalhadora.

Em todos os países do mundo registram-se casos e mais casos de guerras, revoluções e maldades de toda espécie. Não se vê, no entanto, qualquer caso de provocação por parte dos negros, que suportam pacientemente as loucuras e desatinos dos brancos.

Bem apropriadas são as palavras de Richard Wright quando dizia que “não há problema negro nos Estados Unidos; há apenas um problema branco”.

E comentava James Baldwin que “os brancos deste país terão bastante a fazer em aprender como aceitar e amar a eles mesmos uns aos outros, e quando tiverem conseguido isso – o que não será amanhã e talvez não seja nunca – o problema negro já não existirá, porque não mais será preciso”.

Dentre nós Millor Fernandes, em seu “Dicionário de Idéias Imediatas”, acentua que, tudo mostra e “torna evidente o problema racial do branco”, e não do negro.

Naquela época proclamava Lincoln: “Não sou um ignorante… Como poderia sê-lo? Como poderia alguém que odeia a opressão de pretos ser a favor de classes decadentes de brancos? Nosso progresso na decadência parece-me rápido demais. Como uma nação começamos por declarar que “todos os homens nasceram iguais”. Agora praticamente lêmo-lo assim: “todos os homens nasceram iguais, exceto os pretos”. Quando os ignorantes tomarem conta, será lido assim: “todos os homens nasceram iguais, exceto os pretos, os estrangeiros e os católicos”. Quando tivermos chegado a isso, preferirei emigrar para qualquer país onde não se pretenda amar a liberdade – à Rússia, por exemplo, onde o despotismo pode ser tomado puro, e não com a mistura vil da hipocrisia”.

Gilberto Freyre, comentando sobre a influência da raça negra nos inícios de nossa nacionalidade, observa que “tais contrastes de disposição psíquica e de adaptação talvez biológica ao clima quente explicam em parte ter sido o negro na América portuguesa o maior e mais plástico colaborador do branco na obra de colonização agrária”.

Com esses comentários queremos registrar, com muita satisfação, o lançamento do livro, recentemente, “Negros do Espírito Santo”, de autoria das jovens intelectuais, Carla Osório, Adriana Bravin e Leonor de Araujo Santana.

Logo de início apontam as imensas dificuldades que enfrentaram para abordar o tema, porque “faltavam fontes primárias e bibliografia sobre a história do negro no Espírito Santo e recursos suficientes para percorrer todo o Estado fazendo um mapeamento de todas as regiões. Objetivamos resgatar essa história “oculta” dos livros oficiais”.

O livro mostra a decisiva influência e participação dos negros na formação da nossa cultura, da nossa riqueza econômica e do nosso progresso em geral. Nunca receberam apoio e financiamentos de qualquer espécie – apenas chibatadas e ingratidões.

Ninguém nunca distribuiu terras com os negros, nem tampouco lhes deu incentivos fiscais.

Esse quadro de terríveis sofrimentos e padecimentos nos faz lembrar Kennedy quando falava: “Se tudo fizestes pela Pátria e dela só recebestes ingratidão, fizestes o que devias e ela o que costuma”.

O livro de Carla Osório, Adriana Bravin e Leonor de Araujo Santanna, além de conter valiosa pesquisa histórica, mostra, com riqueza de detalhes, a odisséia dos negros no nosso Estado, e sua extraordinária participação na nossa formação histórica. Estão de parabens essas jovens intelectuais capixabas.

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