O foro privilegiado

Desde nossa primeira Constituição – a de 1824 – consta de todas as Constituições brasileiras o chamado “fôro por prerrogativa de função”.

Isto significa mais ou menos o seguinte: pelo certo todos os cidadãos são julgados por Juizes de Direito. Das decisões desses Juízes cabe recurso para o Tribunal da Justiça estadual. Das decisões dos tribunais de justiça estaduais, cabe recurso para o Superior Tribunal de Justiça. E das decisões do Superior Tribunal de Justiça cabe recurso, excepcionalmente, para o Supremo Tribunal Federal, última e derradeira instância do nosso sistema Judiciário.

Acontece que a Constituição veio criar o chamado “foro privilegiado”, também designado “fôro por prerrogativa de função”, destinado a certas pessoas, processadas criminalmente, ocupantes de cargos públicos relevantes na sociedade.

Assim, nas infrações penais comuns, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República.

Por outro lado, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União.

Além disso, a Constituição Estadual estabelece a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, o Vice-Governador do Estado, os Deputados Estaduais e os Prefeitos Municipais, os juízes de direito e os juízes substitutos, os Secretários de Estado, o Procurador Geral de Justiça, os membros do Ministério Público e o Procurador Geral do Estado, “ressalvada a competência da Justiça Eleitoral” (Art. 109).

Durante muitos anos discutiu-se no âmbito dos Tribunais, inclusive do Supremo Tribunal Federal, se, uma vez terminado o mandato do acusado, continuaria prevalecendo o “fôro privilegiado”.

A matéria deu ensejo a muitas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais, havendo conflito de opiniões entre nomes dos mais destacados da vida jurídica do País.

Eis que, finalmente, após acirrados debates, o Supremo Tribunal Federal decidiu definitivamente o assunto, através de sua Súmula 394, que diz textualmente: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

Com isso passou a vigorar o princípio de que, se o cidadão é acusado de um crime cometido durante o seu mandato, continuará sendo processado no fôro privilegiado, mesmo após o término desse mandato; e se o crime é descoberto após o término do mandato, mas foi cometido durante o mandato, continuará gozando do fôro privilegiado.

Essa Súmula foi editada ainda na vigência da Constituição de 1946, vigorando até o final do século passado, quando o Supremo Tribunal Federal, examinando a matéria à luz da Constituição de 1988, cancelou a Súmula 394, dizendo taxativamente que “a Constituição não é explícita em atribuir tal prerrogativa de foro às autoridades e mandatários que, por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato”.

Explicita claramente a Suprema Corte que não se pode “deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo”. Isso se vê no julgamento do Inquérito número 687-4, quando o STF julgou que o ex-Deputado Jabes Rabelo não gozava mais do foro privilegiado, remetendo o processo ao Juizo de primeiro grau.

Como se vê, a partir dessa nova interpretação dada pela Suprema Corte, se o Deputado Estadual, ou o Prefeito Municipal, está respondendo a processo perante o Tribunal de Justiça, e finda-se seu mandato, porque não mais se candidatou ou perdeu a eleição; ou um Juiz de Direito deixa o cargo porque se aposentou, cessa a competência do Tribunal de Justiça, baixando o processo para o Juiz da Vara respectiva.

Conclui o Supremo que “aliás, a prerrogativa de fôro, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional comparado. Menos ainda para os ex-exercentes de cargos ou mandatos”.

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