Paralelos

Só a partir da segunda metade do século 19 e princípios do século 20 começou a surgir uma nova concepção na execução penal, e o preso passou a ser encarado como ser humano que é.

Mesmo no começo do século atual as concepções jurídico-penais eram muito diferentes das atuais. Hoje, graças a vários movimentos internacionais, e a uma verdadeira tomada de consciência que se iniciou na época do Iluminismo, o preso deixou de ser objeto do Direito Penal para tornar-se pessoa do Direito Penal.

Já dizia Liszt, que o criminoso “é a criança mimada do século XX”.

Nossa Lei das Execuções Penais representa, sem dúvida alguma, uma construção dogmática distanciada da realidade, mas com os olhos postos no futuro. Trata-se, sobretudo, de um trabalho doutrinário.

Qualquer um que acompanha o dia a dia dos noticiários sabe a profundidade da crise no sistema prisional do nosso País – cadeias superlotadas, mal administradas, desprovidas de recursos, e em quantidade muito inferior às necessidades.

Basta dizer que há pouco tempo o Secretário de Segurança de São Paulo – o maior e mais rico Estado brasileiro – dizia, ao inaugurar uma Penitenciária, que havia necessidade de serem construídas, desde logo, pelo menos mais cem penitenciárias ali, e que no entanto no orçamento de São Paulo muito mal havia verba para a construção de uma por ano.

Se isso se passa em São Paulo, não é preciso ressaltar o quadro dos demais Estados.

Temos, entretanto, uma Lei das Execuções Penais avançadíssima, humana, que, pode-se dizer, segue rigorosamente as linhas mestras traçadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), em suas recomendações para o tratamento dos reclusos.

Entre o que diz a Lei e o que se realiza na prática, vai, inegavelmente, uma distância astronômica. E isso por várias razões.

Estamos, sem dúvida, numa época de crises: crise religiosa, crise social, crise da moral, crise do direito. Todas essas crises são produzidas por sistemas que tomam às avessas verdades elementares.

Já não se fala em Deus como antigamente. A palavra Deus tem um significado diferente para cada religião. Algumas pregam a morte implacável aos “infiéis”. Umas entendem até mesmo, como Proudhom, que “a propriedade é um roubo”; outras dizem que “honesto é o útil”; e outras, mais ainda, adotam um novo sentido de moral, revolucionário e pagão.

Diante da impotência do Estado para enfrentar a criminalidade e a desordem social, já se procura pôr a culpa nos Juízes, fazendo lembrar Frisher, o célebre anarquista alemão, quando dizia: “Vós enviais um homem ao cadafalso, vós decidis que ele será privado da liberdade durante toda sua vida; mas não é ele somente que é culpado, sois vós também, juízes, que ousais pronunciar tais sentenças”.

E, com efeito, se se considerar o crime um fenômeno social como outro qualquer, se o crime é fatal como uma enfermidade ou uma doença, o juiz não é culpado por punir um infeliz mais digno de piedade do que de castigo?

Fazendo um paralelo entre o assassino e o juiz, e encontrando este último mais culpado do que o primeiro, acrescenta: “que relação há entre o indivíduo, cego pela paixão, que comete um assassinato, e a calma dum Tribunal, que, sem obter uma vantagem moral, qualquer que seja, se vinga dum crime pela morte?”

Comparando por sua vez o assassinato cometido pelo criminoso ao “assassinato cometido pelo carrasco” não encontra entre eles nenhuma diferença, se não a abstração da utilidade social. “O último crime não tem mesmo por circunstância atenuante alguma razão de interesse pessoal ou de vingança; o homicídio legal torna-se mais completamente absurdo que o homicídio ilegal”.

Efetivamente, houve uma época em que se dizia que punição, pecado, dignidade, moral, responsabilidade perante Deus e perante a sociedade “eram invenções dos padres e do cristianismo”, não passando de valores “tão pouco compreensíveis quanto a responsabilidade de além-túmulo de que falam ainda os padres”.

Como se vê, essas teses e conflitos de idéias que visavam sobremaneira a Justiça, tentando, de todos os modos, enfraquecer o Poder Judiciário e as convicções dos Juízes, não significam novidade alguma na História da Humanidade: datam de muitos séculos.

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