Passado e presente

O Direito Penal de meados do século 18 se caracterizava por conter leis geradoras de desigualdades, carregado de privilégios, que permitia julgar os homens de acordo com sua condição social, por outro lado, constituia um direito heterogêneo, caótico, com um alto conteúdo de arbitrariedades que acrescentava tanto aos juízes como ao monarca; era, além disso, excessivamente rigoroso e cruel. A administração da Justiça reclamava sua legitimização como atributo do monarca em seu papel de representante da justiça divina, convertendo-se em instrumento de terror, sob o pretexto de conseguir intimidar através de castigos exemplificadores, para obter a obediência férrea dos súditos às leis civis e religiosas.

Nos países do centro e ocidente da Europa continental, os Direitos Penal e Processual Penal ofereciam características quase idênticas; os ordenamentos jurídicos penais estavam influenciados por um Direito Penal romano-canônico, baseado sobre o duplo pilar da expiação moral e intimidação coletiva, onde se prodigalizavam os castigos corporais e a pena de morte com refinamento de crueldade quando se tratava de determinados delitos.

Sob a influência desse Direito a justiça humana se configurou sobre o modelo de justiça divina que atuava sobre os maus. O Rei, soberano de direito divino, exercia a justiça sobre seus súditos de um modo implacável e delegava aos juízes o direito de julgar, que Deus lhes havia concedido.

Ao mesmo tempo, o único Direito científico, o Direito dos juristas profissionais, era o composto pelos textos romanos e pelos estudos – glosas e comentários – feitos sobre eles; em todas as Universidades este era o único direito que se ensinava, não o velho e particular de cada país, nem tampouco as leis concretas de cada Monarquia. Este estado de coisas persiste até à véspera da codificação na qual se assentaram as linhas mestras das leis penais que hoje nos regem.

No curso dessa evolução histórica, nossa Constituição Federal veio estabelecer peremptoriamente: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º, LVII).

Esse é o chamado princípio constitucional da “presunção de inocência”. Pois se o indivíduo não será considerado culpado, resulta lógico, claro e evidente, que é presumido inocente. E um homem considerado inocente, por presunção legal, não pode ficar preso.

Com isso, assistimos inúmeros casos de pessoas já julgadas e condenadas há anos, tanto pelo Juiz singular como pelo Tribunal do Júri, permanecerem soltas. Graças aos artifícios e incontáveis recursos da Defesa, circulam livremente pelas ruas, num desafio constante à força da Lei e às vítimas e seus familiares, ocasionando, com isso, vinganças e, por conseguinte, novos crimes. Isso porque só perderá o direito de permanecer solto quando a sentença transitar em julgado, ou seja, quando já tiverem sido julgados todos os recursos – o que poderá demorar anos a fio.

Em quase todos os países do mundo civilizado, culto e moderno, se o réu é preso em flagrante, terá que aguardar, preso, o julgamento. Se for absolvido, fica livre. Se for condenado, passa logo a cumprir a pena, descontando-se o tempo em que esteve preso antes da sentença.

Essas sempre foram gritantes anomalias de nossa legislação penal e processual penal, sendo, sem dúvida alguma, uma das maiores causas do aumento da criminalidade e do desprestígio e descrédito da Justiça Penal.

Por isso registramos, com prazer, a emenda constitucional que acaba de ser apresentada no Senado por nosso representante, o Senador Gerson Camata, que altera o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, que passa a ter a seguinte redação: “Excetuado o agente preso em flagrante delito, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O Senador propõe, também, alterações nos arts. 408 e 594, do Código de Processo Penal, dificultando a concessão da liberdade àqueles réus acusados de crimes em que a pena mínima cominada for superior a dois anos.

Registro, com prazer, essa magnífica idéia, que vem atender a insistentes reclamos da sociedade jurídica, especialmente dos órgãos de Defesa Social, a partir do Ministério Público.

Oxalá a proposição do Senador Camata, oportuna sob todos os aspectos, encontre pronta e rápida acolhida dos seus pares.

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