Reforma penal

Folheando a Bíblia Sagrada, encontramos, sem muita dificuldade, no livro de Exodo (Cap. 21, versículos 28 a 32), as seguintes prescrições da palavra de Deus: “E se algum boi escornear homem ou mulher, que morra, o boi será apedrejado certamente, e a sua carne se não comerá; mas o dono do boi será absolvido. Mas se o boi dantes era escorneador, e o seu dono foi conhecedor disso e não o guardou, matando homem ou mulher, o boi será apedrejado, e também o seu dono morrerá. Se lhe for imposto resgate, então dará como resgate da sua vida tudo quanto lhe for imposto. Quer tenha escorneado um filho, quer tenha escorneado uma filha; conforme a este lhe será feito. Se o boi escornear um servo, ou uma serva, dar-se-á trinta siclos de prata ao seu senhor, e o boi será apedrejado”.

E, mais adiante, em Levítico, capítulo 20, versículos 15 e 16, temos: “Quando também um homem se deitar com um animal, certamente morrerá; e matareis o animal. Também a mulher que se chegar a algum animal, certamente morrerá; e matareis o animal. Também a mulher que se chegar a algum animal, para ter ajuntamento com ele, aquela mulher matarás com o animal; certamente morrerão; o seu sangue é sobre eles”.

De acordo com o Direito Canônico (Corp. juris can., decreti 2ª pars, causa 15, quaestio 1, cap. 4), além das pessoas e dos animais, deviam ser destruídos móveis e objetos utilizados para a prática do crime, pois, de acordo com a explicação dada por Santo Agostinho, “é preciso destruir os vestígios que levam à lembrança do crime”.

São Tomás de Aquino defendia a pena de morte e considerava-a a melhor de todas as penas. Partia para isso do seguinte raciocínio: a finalidade do homem na terra é a busca do Paraíso. Ora, se um homem é condenado à morte por ter cometido um crime, e for inocente, não resta dúvida que irá para o céu, porque foi vítima de clamorosa injustiça. Se, ao contrário, for realmente culpado, irá para o céu, porque com a execução da sentença de morte, expiou o seu crime, pagou o que devia à Justiça Divina.

Então, culpado ou inocente, de qualquer maneira iria para o céu – supremo objetivo do homem em sua caminhada neste globo terráqueo.

Realmente os 10 mandamentos, ditados por Deus a Moisés, não falam em pena de espécie alguma, dizendo apenas: “Não matarás”, “não adulterarás”, “não furtarás”, etc. (Exodo, cap. 20).

Mas, com base nessas determinações divinas, foram instituídas penas de todos os gêneros e espécies: prisão, galera, pelourinho, açoites, com inúmeras variações, sendo que até a própria pena de morte variava: pena de morte simples, pena de morte com tortura, pena de morte com mutilação de membros (arrancar os olhos, arrancar orelhas, nariz, braços e pernas, etc., paulatinamente, até o último suspiro).

Só a partir deste século 20 que se aproxima do fim, pois já estamos na soleira do século 21, as penas se humanizaram – muitas delas foram suprimidas, restando, a bem dizer, apenas penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.

Com o restabelecimento da democracia, criou-se no Brasil, também, a chamada “prisão temporária” ou “provisória”, que é decretada para casos de “indícios veementes da autoria” ou “suspeita”, ainda na fase policial, independentemente da existência de processo formado. Não chegou a ser instituída na época do regime militar devido aos protestos e resistência de democratas autênticos, que recrutaram o apoio nos meios intelectuais nacionais e estrangeiros, havendo manifestações de organizações e instituições de todo mundo, contra a sua adoção.

Acontece que a partir da prisão temporária vem a prisão preventiva. Com isso geralmente os pobres e hipossuficientes, que não têm recursos para pagar bons advogados, ficam às vezes anos corridos na cadeia, aguardando o julgamento do último recurso, ou o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Tendo em vista que a execução penal só se inicia após a sentença transitar em julgado, esses réus, muitas vezes presos por três, quatro, cinco anos ou mais, ficavam sem direito à progressão no sistema prisional, ou seja, não tinham direito de sair do regime fechado para o regime semi-aberto e para o regime aberto, nem livramento condicional. Enfim, não gozavam de direito algum à melhoria de sua vida na prisão.

Eis que agora o Supremo Tribunal Federal vem de firmar jurisprudência no sentido de que “é possível a progressão da pena antes do trânsito em julgado da condenação” (STF-DJU-7.3.97, página 5398, julgamento do HC 71907-4-SP).

Adotada essa orientação pelo STF, consideramos que foi implantada, silenciosamente e sem alarde, uma das mais importantes reformas na legislação penal do País.

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