Da súmula vinculante

Dentre as inúmeras reformas inadiáveis, imprescindíveis e impostergáveis apresentadas à população e discutidas apaixonadamente no Congresso, acha-se a da instituição de uma “súmula vinculante”.

Isto quer dizer o seguinte: digamos que o cidadão se julgue no direito de receber uma quantia do Governo porque teve seu carro abalroado por um carro oficial, ou porque é funcionário e entende estar deixando de receber certas vantagens que lhe foram conferidas por Lei, ou porque era celetista, foi despedido e não recebeu os direitos trabalhistas, etc.

Esse cidadão constitui advogado e dá entrada na respectiva ação perante o Juiz de primeiro grau – Juiz de primeira instância – que manda citar o Estado (aqui entendidos União, Estados e Municípios). O Estado contesta a ação, requer a produção de provas, manda seu representante para a audiência, apresenta alegações, enfim, exerce a ampla defesa prevista na Constituição.

Se, findo o processo, o Estado for condenado, a Procuradoria recorre para o Tribunal de Justiça. Se o Tribunal de Justiça confirmar a sentença do Juiz, o Estado recorre para o Superior Tribunal de Justiça. Se o Superior Tribunal de Justiça confirmar a decisão do Tribunal de Justiça, o Estado recorre para o Supremo Tribunal Federal.

Após toda essa tramitação, que às vezes leva 4, 5, e até dez anos, ou mais, digamos que o Supremo Tribunal Federal confirme a sentença do Juiz de primeiro grau, reconhecendo, em última e derradeira instância, os direitos reclamados pelo cidadão.

Como da sentença da Suprema Corte de Justiça do País não cabe mais recurso nenhum, então fica reconhecido em caráter definitivo o direito do impetrante.

Mas, acontece que o simples fato de não haver mais dúvida alguma quanto à legitimidade desse direito, nem assim o cidadão receberá logo seu dinheiro. O processo tem que voltar à Comarca de origem para serem feitos os cálculos. Elaborados os cálculos, o processo é remetido ao Tribunal de Justiça, que emite um precatório. Precatório é a ordem de pagamento do Poder Judiciário para o Poder Executivo.

No entanto, por incrível que pareça, a simples emissão do precatório não é suficiente para solucionar a demanda, porque o Executivo simplesmente não paga, nem manda os recursos correspondentes para o Judicário liquidar os precatórios. Registram-se, em todo o País, bilhões de reais de precatórios, dependendo da remessa do numerário correspondente.

Há pouco tempo o Governo Federal, atendendo a insistentes pedidos dos Governadores, resolveu entregar-lhes títulos para serem descontados com particulares, na rede bancária. Os Governadores receberam os títulos, venderam-nos por até menos de 50% (cinquenta por cento) do seu valor nominal, e, ainda por cima, desviaram o dinheiro para pagar empreiteiras, liquidando pouco ou quase nada dos imensos débitos dos precatórios. Os que compraram esses títulos repassaram-nos a bancos oficiais ou compraram empresas privatizadas, pagando-as considerando seu valor nominal.

Agora, o que se pretende com a súmula vinculante é que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em última instância, uma dessas ações contra o Estado, possa baixar uma súmula, ou seja, uma espécie de decreto, obrigando todos os Juízes a decidirem no mesmo sentido todas as ações semelhantes. A primeira decisão do Supremo sobre um caso, vincula, quer dizer, obriga todos os Tribunais e Juízes inferiores a adotarem, dali em diante, as mesmas conclusões do Supremo.

Isso, sem dúvida alguma, vai diminuir em muito a tramitação dos processos. As ações serão julgadas com mais rapidez.

Essa celeridade, no entanto, em nada resolverá o problema das centenas e milhares de ações que já se encontram findas e acabadas, com os precatórios se amontoando nas prateleiras, sem pagamento, sendo que alguns dormem nessas geladeiras.

O curioso dessa história toda é que a reforma proposta e defendida com tanto calor e entusiasmo visa apenas às ações ainda não decididas, muitas delas em início de tramitação. Não apresenta solução alguma para as outras, que já percorreram tão lenta e prolongada tramitação, e ainda se acham, muitas, há dezenas de anos, no limbo do “devo, não nego, pagarei quando puder”.

A única medida certa – assim acreditamos – seria introduzir-se na Constituição um dispositivo estabelecendo um percentual fixo para o Poder Judiciário – 3, 4, 5%, ou seja lá quanto fosse. Esses recursos seriam obrigatoriamente depositados na conta do Judiciário no mesmo instante do recolhimento dos impostos. Assim o Estado poderia contar com recursos para suas despesas e liquidação dos precatórios.

Adotando-se essa prática estar-se-ia efetivamente criando a autonomia financeira do Poder Judiciário e acabando-se definitivamente com essa praga dos precatórios. E, sobretudo, seria implantada uma reforma no verdadeiro e real sentido da palavra.

Isso nos faz lembrar uma passagem atribuída a Getúlio Vargas, na época, que, quando indagado do Ministro da Fazenda como deveria proceder para o pagamento de tantas dívidas antigas e vencidas há muito tempo, respondeu: “Dívidas velhas não se paga”. E, então, o Ministro indagou acerca do que haveria de fazer com as novas, e Getúlio respondeu: “Deixa ficar velhas”.

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