
Repetições legislativas
Nosso Código Penal, no artigo 148, tipifica o crime de “sequestro e cárcere privado”.
Sequestrar um homem quer dizer dominá-lo, sem o seu consentimento, pela violência, de tal modo que ele perca a capacidade de dispor da sua liberdade de ação, em favor do que o domina pela força.
É indiferente como esta relação de força se produza, desde que seja contra a vontade da vítima – porque o consentimento exclui a antijuridicidade. De fato, não há crime de sequestro contra o que quer ser sequestrado, ou seja, contra o que espontaneamente faz o que o sequestrador deseja.
O agente, para atingir seus propósitos, pode utilizar qualquer método, que não influenciará no resultado típico: ameaça, coação física ou moral, ludíbrios, enganos, fraudes, hipnotismo e até entorpecente, bebidas embriagantes ou remédios que enfraquecem a personalidade ou alienam a pessoa. Conforme assinala Manzini, o que importa é que a vítima se sinta impossibilitada de exercer sua vontade de locomover-se, vendo-se privada de sua liberdade, como no exemplo que cita, do indivíduo que deixava a vítima nua, impedida, pelo pudor natural, de sair à rua.
Como meio para o sequestro, o uso da fraude, ameaça ou violência, não excluem um ao outro. O agente pode muito bem começar com um modo e evoluir para os demais, sucessivamente: atrái para uma fazenda isolada, mediante fraude, e lá, encontrando resistência, passa a empregar ameaça e até mesmo violência. Naturalmente a fraude e a coação são absorvidas pelo sequestro. Havendo lesões corporais, ou morte, há concurso material.
Como meio de coação pode ficar apenas a ameaça, ou o encarceramento, ou a produção de um obstáculo mecânico à locomoção. O agente “rouba” a liberdade pessoal, colocando a vítima sob mira de um revólver ou sob qualquer outra espécie de ameaça séria, ou conservando-a presa, amarrada.
Em se tratando de funcionário público, civil ou militar, de qualquer forma investido de poder, que determine prisões ilegais, a prisão passa a constituir “abuso de autoridade”, tipificado na Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (artigo 4º).
Não importa que a vítima seja maior, menor, sã ou doente. Nem tampouco que não tenha condições de mover-se por si mesma, como na hipótese de um paralítico ou de um enfermo prostrado numa cama, porque nesses casos o crime se completará no cerceamento dos meios e recursos para transladar-se.
Objeto da agressão é a liberdade de concretização da decisão de deixar a qualquer momento o local onde se encontra. Não a possibilidade, abstratamente considerada, mas, sim, a vontade de fazer.
Cometem esse crime os pais que deixam os filhos amarrados, ou a esposa trancada num cômodo qualquer da casa.
Usa-se a expressão “sequestro”, mais comumente, quando a pessoa é retida ilegalmente em qualquer lugar e carregada, contra sua vontade, para onde o raptor quiser largá-la, ou onde vai conservá-la em cárcere privado.
O tempo de duração do sequestro é irrelevante para caracterizar-se a consumação do crime: quando o indivíduo é forçado a ir num carro, de um local para outro, mesmo por pouca distância, e por curto espaço de tempo, operou-se o resultado típico. O importante é haver alguma duração.
O sequestro nunca é somente a limitação de uma outra pessoa numa sala fechada, num quarto, numa casa, o que pode ocorrer num hospital, num estabelecimento carcerário, numa propriedade, num vagão de trem, com o uso de obstáculos mecânicos à locomoção, e, portanto, através a ameaça do emprego de violência. Essa ameaça pode ser exercida, também, para a permanência. Alguém pode estar preso num palácio, apesar da porta aberta, se se posta um guarda diante da porta, disposto a impedir, com violência, a saída.
Diante disso que já consta explicitamente na nossa legislação penal, e que é definido de maneira clara e inconfundível por toda a doutrina e jurisprudência dos Tribunais, a respeito, não deixa de causar admiração o fato de estar em tramitação no Congresso Nacional projeto de lei visando a criar o novo tipo, cognominado recentemente, de “sequestro-relâmpago”.
Custa a entender o motivo de tanto alvoroço e o despertar de tantas esperanças, à guisa de combater a criminalidade, com a criação de mais esse tipo penal.
Aliás, Freeman mostra no seu pequeno livro “O crescimento da Constituição inglesa” que essa Constituição “nunca foi feita; que nunca nas grandes lutas políticas da Inglaterra a voz da nação reclamou novas leis, mas só o melhor cumprimento das leis existentes; que a vida, a alma da Lei inglesa foi sempre o precedente” (Minha Formação, pág. 39).

