Das penas

Durante séculos filósofos, juristas e sociólogos discutiram sobre o que seria mais importante: o Estado ou o homem. Foi a Revolução Francesa, de 1789, que veio declarar a supremacia dos direitos do homem frente ao Estado, enfatizando que o Estado existe para o homem, e não o homem para o Estado.

A Revolução bolchevista russa, de 1917, ao contrário, passou a colocar em primeiro lugar o interesse público, restabelecendo a onipotência do Estado, supremo defensor dos “direitos sociais”: acabou com a propriedade privada e qualquer prevalência do indivíduo frente ao coletivo.

Daí, existem no mundo atual, duas espécies de Direito: o direito socialista e o direito individualista, ou seja, o direito que dá ênfase ao social, e o direito que protege predominantemente o indivíduo.

Assim temos, por exemplo, dois direitos penais. No Direito Penal tradicional, que remonta ao tempo dos romanos e à época da Revolução Francesa, considera-se crime mais grave todo aquele ato que representa agressão ao homem, à pessoa humana. De acordo com essa concepção, são punidos violentamente, até mesmo com a pena de morte: homicídios, estupros, latrocínios (matar para roubar), sequestro, extorsão mediante sequestro, lesões corporais, etc.

Já no direito penal socialista essas agressões contra a pessoa são colocadas em segundo plano. Entendem os defensores desse tipo de direito que, quando um cidadão mata o outro, o Estado só sofreu o prejuízo da perda de um habitante (coisa irrelevante, porque diariamente nascem centenas, milhares e milhões de pessoas), e, se houve tristeza de um lado por parte dos familiares da vítima, pela perda de um ente querido, houve alegria por parte do homicida e seus familiares, pelo desaparecimento de um inimigo. Quando há um roubo, se se dá o empobrecimento de um, que perdeu dinheiro ou bens, há o enriquecimento do outro, e, como ambos são membros do Estado, o empobrecimento de um e enriquecimento do outro em nada afeta o patrimônio do Estado.

Então, nesses casos, o Estado permanece indiferente. No máximo, aplica aos infratores medidas de segurança, advertência ou fiscalização de sua conduta por parte dos sindicatos ou órgãos assistenciais. Na pior das hipóteses dá-se a imposição de multa.

Crimes graves, de acordo com o direito socialista, puníveis até mesmo com a morte são os crimes contra a coletividade: peculato (apropriação de dinheiro público), agressões às autoridades públicas, e, sobretudo, danos ao ambiente e às coisas especialmente protegidas: objetos artísticos, animais em extinção, etc., ou seja, coisas que constituem o patrimônio histórico e cultural da sociedade.

Portanto, crime na verdadeira acepção da palavra, não é tirar a vida de um homem, mas a de um pássaro, uma paca, um tatu ou de um jacaré (animais considerados raros e em extinção).

A lista dessas “coisas especialmente protegidas” é elaborada arbitrariamente pelas autoridades, num retorno ao absolutismo anterior à Revolução Francesa, quando o Rei Luis 14 dizia que “O Estado sou eu” – “L’État c’est moi”).

Nosso Código Penal de 1940, atualmente em vigor, adotou desde a primeira página a teoria do chamado “Estado burguês de direito”, colocando já no início da Parte Especial os crimes contra a pessoa, destacando-se desde logo o homicídio.

Acontece que a partir de então foram editadas inúmeras leis especiais, aprovadas por nossos Deputados e Senadores, e sancionadas pelo Presidente da República, invertendo totalmente a ordem até então estabelecida.

No nosso Direito Penal atual homicídio, estupro, sequestro, latrocínio, são crimes afiançáveis, dão direito à liberdade provisória (quer dizer, o homicida permanece solto até o julgamento final do processo), à liberdade condicional, indulto, sursis, etc. Porque o autor cometeu crime contra o indivíduo.

Ao contrário, o que mata uma onça (mesmo que esteja comendo seus filhos e seus animais domésticos), comete crime inafiançável, que não dá direito a liberdade provisória, nem à liberdade condicional, indulto, sursis, etc. Pois cometeu crime contra a sociedade.

Quer dizer: o que rouba, sequestra, estupra ou mata um outro homem tem todos os direitos da lei; o que fere ou mata uma onça recebe todos os rigores da Lei.

Como se vê, qualquer semelhança entre o direito penal brasileiro e o direito penal socialista, à primeira vista, não é mera coincidência.

Enviar por e-mail Imprimir