Do dano moral

No Direito Romano não existia qualquer previsão legal para o chamado “dano moral”, porque entendiam os juristas daquela época, com Paulus à frente, que “os danos morais não seriam jamais reparáveis, uma vez que tal reparabilidade só poderia, ao sério, dizer respeito, de maneira estrita, exclusivamente aos bens de natureza patrimonial ou econômica”.

Daí veio a linha seguida pelo legislador brasileiro, e os nossos Tribunais, apesar de insistentemente provocados a se pronunciarem sobre o assunto, nunca admitiram indenizações por danos meramente morais, a não ser que se refletissem em danos patrimoniais ou econômicos.

Essa foi a regra vigorante, até que a Constituição de 1988 veio estabelecer firmemente “a indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º, V).

Adotado esse princípio, impunha-se a edição de uma Lei esclarecendo os limites da reparação ou das indenizações, ou pelo menos fixando parâmetros. Porque, na realidade, mostra-se absolutamente impossível uma definição do que seja, de fato, um dano moral. Essa Lei, entretanto, até hoje não surgiu.

Segundo os comentaristas e tratadistas, “quando ao dano não correspondem as características do dano patrimonial, dizemos que estamos na presença do dano moral” (Aguiar Dias).

Seriam aqueles danos à personalidade, aos sentimentos, à sensibilidade, às afeições, à dignidade, às crenças, à honra do cidadão, causando-lhe sofrimentos e dores interiores, ou seja, não materiais, porque apenas mantidos na esfera psíquica.

Como se vê, trata-se de conceitos eminentemente subjetivos, variando sua definição ou interpretação, de pessoa para pessoa. Assim, por exemplo, o indivíduo que chamar o outro de “gay” ou “veado”, dependendo de quem seja, suas palavras podem ser tomadas como ofensivas ou elogiosas. Uns se sentem humilhados ao receberem tal designação. Já outros têm orgulho de sua homossexualidade, manifestando-a ostensivamente e proclamando-a semcerimoniosamente.

Se é tão difícil esclarecer e compreender o que é dano moral, tarefa mais complicada ainda seria sua avaliação. O legislador de 88 simplesmente criou o novo instituto jurídico, mas deixou sua adequação à realidade social inteiramente confiada à Justiça. Deixou de baixar lei regulamentadora da matéria.

Criou-se com isso uma complicação terrível, dando como consequência uma quantidade fabulosa de ações judiciais. Hoje em dia o Juizado de Pequenas Causas, os Juizados Cíveis e os Tribunais, tanto os estaduais como os federais, acham-se abarrotados de processos e mais processos, em que se discute sobre a existência da lesão moral, e, sobretudo, dos valores a serem pagos a título de indenização.

Assim, em certos casos o cidadão pede dois mil reais, e há os que pedem, pelo mesmo motivo, e sob os mesmos fundamentos, duzentos, trezentos mil reais de indenização.

Os juízes, perplexos e atormentados por toda espécie de pressões, variam muito em suas decisões. De acordo com o seu temperamento e sua formação, a partir de critérios eminentemente subjetivos, condenam ao pagamento de indenizações às vezes pequenas, ridículas, insignificantes, enquanto, em outros casos, atingem cifras milionárias.

Porque na realidade ninguém pode saber ao certo em que consiste ou consistiria um dano moral e muito menos o valor justo, certo, correto e incensurável de sua indenização.

A jurisprudência dos Tribunais registra casos de indenizações, por atraso de aviões ou mal atendimento em supermercados, que variam de 30 a 300 salários mínimos.

Da mesma forma, nas hipóteses de devolução indevida de cheque pelo Banco, ou do envio, inadequado, do nome para o SPC, aparecem indenizações que vão de um mil a um milhão de reais.

É impossível imaginar-se como podem existir limites tão amplos e tão elásticos.

Essa simples e ligeira análise evidencia, às escâncaras, a necessidade imperiosa e inadiável de uma norma regulamentadora de tão importante assunto.

Assim, por exemplo, nos Estados Unidos, que é a Pátria das indenizações por dano moral, e onde nossos constituintes foram sofregamente buscar inspiração, os julgadores se baseiam em princípios econômicos e utilizam dados certos e invariáveis para a fixação dos valores.

Numa época em que tanto se fala em reforma do Judiciário, nada mais importante do que esclarecer-se definitivamente tão tormentoso assunto, garantindo-se o povo e aliviando-se imensamente a espantosa carga de processos atualmente existente em todas as Varas e Tribunais.

Enviar por e-mail Imprimir