A crise nas prisões

No problema penal estão envolvidos os três Poderes do Estado: executivo, legislativo e judiciário.

Ao legislativo cabe definir as condutas proibidas e fixar as respectivas penas. Quer dizer: quem vai dizer que um determinado fato constitui crime, punido com determinada pena, é o legislador.

Ao Judiciário compete apurar quem foi o criminoso, ou seja, o infrator da Lei, e determinar a pena a que estará sujeito.

Ao Executivo, por sua vez, fica entregue a execução penal.

Assim, quando se apresenta na vida real um fato definido na Lei como crime, a Polícia Judiciária parte para a investigação, para apurar se tal fato foi, realmente, crime, e quem teria sido o seu autor. O suposto autor passa a ser considerado “suspeito”. Findo o inquérito e chegando a autoridade policial à conclusão de que há indícios veementes de que aquele suspeito teria cometido o crime, faz-se, então o indiciamento. O “suspeito” torna-se “indiciado”.

Acontece que para chegar ao suspeito, à sua prisão, e indiciamento, a Polícia encontra as maiores dificuldades, e os policiais muitas vezes arriscam a própria vida – centenas de policiais tombam anualmente no cumprimento desse dever.

Indo o inquérito parar nas mãos do Ministério Público, e chegando este às mesmas conclusões do Delegado, oferece a denúncia. O suspeito, indiciado, é, então, “denunciado”. Se o Juiz receber a denúncia, esse mesmo suspeito, indiciado, denunciado, torna-se “acusado”, “réu”, “processado”.

Nesse processo é oferecida ao acusado a mais ampla defesa: vai ser interrogado e dar sua versão para o que ocorreu; pode constituir advogado, requerer provas, arrolar testemunhas, perícias, juntada de documentos, etc. O Juiz, o Ministério Público, escreventes e escrivães da Justiça ficam horas e mais horas, muitas vezes semanas e meses, ouvindo, com a presença do advogado do réu, depoimentos e mais depoimentos. Durante cada depoimento fazem perguntas e pedem esclarecimentos.

Se for caso de julgamento pelo próprio Juiz, são oferecidas as alegações finais, e, finalmente, é prolatada a sentença. Se se trata de competência do júri, são convocados os jurados. Cada decisão do Tribunal do Júri movimenta dezenas de pessoas (Juiz, Promotor, Advogados, escrivães, serventuários em geral, Polícia, e, finalmente, os jurados), que ficam, em certas ocasiões, até altas horas da noite trabalhando incansavelmente.

Atravessada essa longa trajetória e sendo o réu considerado culpado, adquire o “status” de “condenado”.

Mas o simples fato de ser um condenado não significa que passará a cumprir a pena que lhe foi cominada. Absolutamente. A execução penal só se inicia após transitada em julgado a sentença condenatória. Diz-se que a sentença “passou em julgado” quando dela não cabe mais recurso algum. Ou porque não houve recurso, ou todos os recursos foram julgados.

Título executivo penal é a sentença condenatória transitada em julgado.

Assim, condenado e com sentença transitada em julgado, o indiciado, denunciado, processado é encaminhado ao estabelecimento prisional para cumprimento de sua pena. Ali recebe a designação de “interno” ou “reeducando”.

Acontece que, infelizmente, o que está se verificando é que, após tão detalhada e minuciosa tramitação processual, o condenado foge, sem qualquer dificuldade. São centenas e milhares de fugas. Muitos policiais morrem ao tentarem prender, novamente, esses condenados. E se, após enfrentarem imensas dificuldades, conseguem prendê-los, pouco tempo depois eles voltam a fugir.

Ora, já está na hora de se entender que a simples fuga de um único condenado contém, em si, a desmoralização do próprio Estado. Cai no ridículo toda aquela trabalheira de Deputados, fazendo a lei penal, policiais, juízes, promotores, agentes de carceragem, enfim, dos funcionários e, por conseguinte, do Executivo, Legislativo e Judiciário. Aquelas longas e demoradas sessões de julgamento ficam reduzidas a nada, ou se sujeitam ao mais torpe deboche. O fugitivo simplesmente dá uma gargalhada homérica só em se lembrar de todas aquelas cenas e solenidades do processo e julgamento.

Com essas contínuas e incontáveis fugas de presos, de norte a sul do País, e, em particular, no nosso Estado, desmoraliza-se o Estado de Direito, enfraquece-se a autoridade do Poder Público. A sociedade torna-se descrente da força da Lei. Com isso, aumenta o número de crimes e a criminalidade.

As fugas de presos abalam a credibilidade dos três Poderes, que se mostram fracos e impotentes ante a audácia de condenados que foram presos (com o risco de vida e até morte de policiais), processados e julgados, com sentença transitada em julgado.

Impedir essas fugas seria, sem dúvida, o primeiro passo para uma verdadeira reforma penal.

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