A força da democracia

Lembro-me muito bem, como se fosse hoje. Nos idos de 1968 partimos eu, minha esposa, o saudoso amigo General José Parente Frota e sua esposa, Da. Ruth, para visitar a Rússia, naquela época sede do imponente Império Soviético.

Em lá chegando, muito embora, como Deputados Federais, fossemos portadores de Passaportes Diplomáticos, tivemos de nos sujeitar, junto com os demais passageiros, a longa e espichada fila, após a qual éramos vistoriados detalhadamente por agentes policias civis, sob o olhar vigilante de militares fardados, armados até os dentes, com metralhadoras apontadas para nós.

Só após serem examinados minuciosamente nossos documentos pelos agentes fiscais e representantes do KGB – a Policia Política do regime – seriam abertas nossas bagagens, e, finalmente receberíamos autorização para entrar no na época chamado de “paraíso comunista soviético”.

Bem perto a nós havia um grupo de turistas norte-americanos, dentre os quais nos relacionamos, desde logo, com um senhor agradável e bem humorado, chamado Mr. Phillips – tipo perfeito do turista americano: bonachão, feliz e endinheirado.

Ouvindo as críticas e reclamações de todos os passageiros, quanto à demora e ao exagero de tantas vistorias em nossas pessoas e em nossas malas, que eram abertas e revistadas peça a peça, resolvemos sentir a opinião de Mr. Phillips, nosso agradável companheiro de sofrimento nessa mais de uma hora no solo, após cerca de 20 horas de viagem de avião.

Mr. Phillips, vendo nossa curiosidade, disse que aquilo por que estávamos passando era inacreditável para eles, norte-americanos. Que eles viviam num país eminentemente democrático, livre, e uma cena como aquela causava nojo e asco a qualquer norte-americano, acostumado a respirar o ar puro da civilização, do progresso, da riqueza, e, sobretudo, da liberdade, supremo patrimônio legado por seus antepassados.

Depois da humilhante e longa tramitação, finalmente fomos autorizados a entrar no País, tendo sido liberadas nossas bagagens. Aliás, tivemos ainda que perder tempo arrumando as malas, que foram vasculhadas e reviradas a tal ponto que ficava difícil fechá-las novamente.

Tudo isso nos veio à memória quando lemos recentemente detalhadas reportagens na grande imprensa nacional e internacional, dando conta dos cuidados e medidas de segurança tomados nos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro do ano passado, e, especialmente, nas comemorações do Dia da Independência, no último dia 4.

Jornais e revistas chegaram a dizer que Nova York havia se transformado em uma verdadeira praça sitiada, tantos e tão numerosos eram os militares e tantas e tão importantes eram as medidas de segurança adotadas.

Acrescente-se a isso as inspeções que são feitas, atualmente, em todos os passageiros que desembarcam lá. Basta dizer que até mesmo o Ministro das Relações Exteriores do nosso País – deste nosso Brasil brasileiro, tão pacífico, tão submisso e tão complacente – foi obrigado a tirar os sapatos, quando lá chegou, para poder entrar no território norte-americano. Seus sapatos tiveram que ser submetidos a exames por aparelhos especializados, a fim de se apurar se dentro deles havia bomba ou qualquer elemento perigoso, passível de ser utilizado como material subversivo.

A esta altura dos acontecimentos gostaria de reencontrar o inesquecível Mr. Phillips e saber sua abalizada opinião comparando o que vimos lá, na horrenda ditadura soviética, e o que se passa hoje na sua terra natal, a maior democracia do mundo, berço de tantos heróis das liberdades democráticas, como se vê, ainda hoje, no “Panteão dos Heróis, Pais da Pátria”, em Washington.

Talvez a maior diferença consista no simples fato que lá, na famigerada Rússia bolchevista, ninguém nos exigiu que tirássemos os sapatos.

A propósito vale lembrar o Padre Manuel Bernardes, quando proclamava: “Não há modo de mandar mais forte e suave que o exemplo: persuade sem retórica, impele sem violência, convence sem debate, todas as dúvidas desata e corta caladamente todas as desculpas. Pelo contrário, fazer uma coisa e mandar ou aconselhar outra é querer endireitar a sombra da vara torcida”.

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