Penas e castigos

Temos o que se poderia designar como uma “inflação penal”: leis penais, processuais penais e das execuções penais, em abundância. Há as disposições que constam dos Códigos, e as da legislação complementar, suplementar e extravagante. O que precisamos inquirir é se esses textos se ajustam com a realidade, e se, efetivamente, buscam a “justiça”.

A grande verdade que se constata logo de início é que, quanto maior o número de leis, mais aumenta a criminalidade. A população carcerária atinge níveis inimagináveis. A insegurança nas ruas constitui hoje, o problema que causa mais preocupação, temor e insatisfação aos habitantes de todos os quadrantes do País.

Precisamos examinar se esse imenso mecanismo punitivo funciona apenas como uma emperrada máquina burocrática, ou se está visando a alguma finalidade. E, se não o está, quais as metas que devemos perseguir para transformá-lo?

O sistema penal compõe-se de vários órgãos cada qual com sua estrutura própria. O Legislativo elabora a lei penal. Ao selecionar os tipos penais para fixar no direito positivo, o que é “crime”, o legislador coloca em prática sua filosofia penal, interpretando o que, no seu modo de entender, deve – ou não – ser bem juridicamente tutelado, de acordo com aquele determinado momento histórico. Além disso, ao graduar a pena entre um mínimo e um máximo, estabelece critérios de política criminal pois será exatamente através dessa graduação que ele dirá se considera o crime leve, grave ou gravíssimo, dando, ou não, por conseguinte, o direito a “sursis” e à fiança, e dispondo também sobre os prazos prescricionais, sendo que tudo isso implicará em tratamento diferenciado durante o processo penal e no cumprimento da pena.

Ao judiciário compete a condução do processo e a aplicação da pena. Finalmente, ao Executivo cabe a execução da pena, pois as Casas de Detenção e as Penitenciárias em geral acham-se sob sua direção e responsabilidade.

Interferem, pois, no problema penal, todos os três poderes do Estado. Nota-se, entretanto, que essa interferência é subdividida. Com efeito, como integrante do Executivo, Legislativo e Judiciário, atuam: as diversas Polícias e “comissões” que preparam os inquéritos (inquérito policial, adinistrativo, parlamentar), e apuram os crimes; o Ministério Público; os Juízes, e os Diretores e chefes das Casas penais ou dos diversos Institutos de “Readaptação” e Prevenção que lidam com criminosos.

Uns lidam com a lei penal no sentido abstrato, teórico, irreal; outros, na análise do processo, e em ligeiros contatos com o criminoso por ocasião do interrogatório ou das acareações; e outros permanentemente, no seu dia-a-dia. Uns estão preocupados com os “direitos humanos” outros, em fazer com que se cumpra a Lei; e outros, ainda, na observação constante e diária, comumente mudam de opinião. Seus pontos de vista se alternam: ora vêem no criminoso um elemento perigoso, nocivo à sociedade, que deve ser combatido implacavelmente, ora consideram-no uma vítima; ora sentem pena dele, ora ódio; ora condenam-no, ora perdoam-no.

Como se resolver tão intricado problema? Responde Carnelutti, com a exatidão que lhe é peculiar que “ir até os criminosos é a solução do problema”. No seu entender, “o antídoto contra o mal é o bem. E esta medicina milagrosa não é daquelas que os homens devem buscar com fadiga ou pagar a peso de ouro; não é necessário, para ser encontrada, mais do que “amor”.

Por isso, na luta contra o crime, é fácil conquistar a vitória, sempre que os homens escutem a última palavra do Mestre: amai como eu vos tenho amado!”

O amor e a compreensão têm, realmente, faltado a todo esse sistema penal. Diz o adágio popular que “tudo compreender é tudo perdoar”.

A própria interpretação acerca de um fato varia com o decurso do tempo. Hoje, um crime pode provocar em nós incontida revolta, exigindo resposta violenta, mas, daqui a meses ou anos, este sentimento pode se transformar em tolerância, perdão e, ocasionalmente, em compaixão. Verifica-se isso em muitos processos, nos quais a própria vítima, mais tarde, se manifesta em defesa do acusado. Também acontece frequentemente de, com o passar do tempo, a vítima se desinteressar completamente do destino do criminoso, ou do desfecho de sua ação penal.

Entretanto, aquilo que muitas vezes já foi perdoado pela vítima, por aquele que sofreu diretamente o dano, deverá ser julgado até o fim, através de um processo que se prolonga por anos a fio, movendo todo um sistema, porque uma interpretação obsoleta e arcaica, vinda ainda da época de Beccaria, no século XVIII, entende que a verdadeira vítima do crime foi a sociedade que teria sido agredida com a ofensa à Lei.

Não é muito raro um homem acabar encarcerado, onerando, consequentemente, o Estado, e deixando sua família ao desamparo, por um crime do qual a vítima às vezes nem mais se recorda, ou, se se lembra, já não dá ao mesmo a menor importância.

Qual o interesse que poderia ter a sociedade nessa punição? Compreende-se, sem muita dificuldade, que não há lógica nenhuma em tal procedimento, e que, na verdade, o que se procura é apenas realizar uma idéia fixa, herdada do nosso passado jurídico, embora afastada do mundo atual e real. Em outras palavras, trata-se somente de se atender a um mero formalismo.

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