Das modernidades

Diante do descaso do Estado, em muitos países têm sido organizadas associações de mulheres violentadas, de famílias que tiveram pais assassinados, e principalmente, de vítimas do trânsito. Aqui no Brasil promovem-se movimentos semelhantes no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Tais associações procuram conseguir uma reparação financeira para as vítimas. Observa-se que a preferência por este tipo de reparação tem crescido bastante, especialmente entre os lesados em delitos de trânsito. Estes não mostram o mínimo interesse em que o culpado seja punido pela forma “tradicional”, porque sabem que esta punição, além de ser aleatória e problemática, é levíssima.

Segundo foi divulgado no Forum Internacional sobre Segurança no Trânsito, realizado recentemente em Brasília, 10% das mortes em acidentes de trânsito no mundo inteiro acontecem no Brasil. Morrem por ano, em nosso Páis, em acidentes deste tipo, 50 mil pessoas, enquanto que outras 150 mil sofrem ferimentos graves mutilantes, ou que provocam deficiências permanentes como a cegueira e a paralisia. O múmero de cegos e paralíticos chega a ultrapassar o daqueles que o são por causas orgânicas. Cerca de 60% dos leitos de ortopedia em hospitais são ocupados por vítimas de acidentes de trânsito, que, na maioria das vezes, são atingidas na cabeça e nas pernas.

Em Brasília, os acidentes de trânsito são os maiores causadores de mortes violentas. Basta dizer que, naquela cidade, em um período de apenas três meses, ocorreram 1.226 acidentes com vítimas.

Observa o Professor Nilo Batista que “nosso facínora mais atuante, nosso inimigo público nº 1, e recordista absoluto em matar-nos e mutilar-nos não é o temível assaltante ou o traficante aquadrilhado. Essa gente agressiva e frequentemmente cruel não conseguiu ultrapassar a média de modestos 2,65% (no Rio), 5,12% (em São Paulo), 2,08% (em Salvador), e mais ou menos 2% (em Recife), do total das mortes criminais, nessas cidades, no período de cinco anos. O superbandido de que estamos falando, ao contrário, foi responsável, ao longo desses cinco anos por uma média de 30,61% (no Rio), 38,42% (em São Paulo), 64,74% (em Recife) daquele total. No País todo, só nesse período, fez exatas 27.306 vítimas fatais, e feriu nada menos que 399.404 pessoas. Isto é, 75 mortos e 1.094 feridos por dia!”.

A Companhia de Engenharia de Tráfego, da Secretaria Municipal dos Transportes, de São Paulo por sua vez informa que, “no espaço de apenas um ano, em decorrência da violência do trânsito, morreram na capital paulista 2.970 pessoas em 17.127 acidentes, e que “noventa por cento desses acidentes são provocados por fatores humanos, que vão desde o alcoolismo, desrespeito à sinalização, negligência na manutenção do veículo e até o estresse”.

O Ministério da Justiça, justificando a nova Lei de Trânsito aprovada pelo Congresso Nacional, e atualmente em vigor, anunciava a necessidade de legislação adequada para o assunto, porque no Brasil haveria “um milhão/ano acidentes de trânsito, resultando em 50 mil mortes e deixando 150 mil deficientes físicos”.

Estudo feito pelo Sistema Integrado de Reabilitação, traumatologia e Ortopedia (SIRTO) em hospitais públicos do País, mostra que “os acidentes de trânsito são responsáveis por pelo menos 50% das internações nos serviços de traumatologia dos hospitais públicos brasileiros. A maior parte dos acidentes concentra-se nos finais de semana. Quase metade dos traumatismos por acidente de trânsito ocorridos em 2001 foram atropelamentos, vindo em seguida a colisão e o acidente com motocicletas. Nos últimos 10 anos cresceu o número de mulheres acidentadas, passando de 22% para 31,7% do total. As áreas do corpo mais afetadas nos acidentes de trânsito foram os membros inferiores. Este é o resultado de pesquisas em São paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Recife, Curitiba e Natal.”

Mais útil e mais eficaz do que a prisão do automobilista imprudente, seria a apreensão do veículo ou de bens do culpado, até o ressarcimento do dano (ao patrimônio e à pessoa).

Nota-se uma impunidade generalizada no que se refere a crimes de trânsito porque as Leis de Trânsito são feitas por donos de carros, por burgueses e doutores que, em vez de dar o exemplo, às vezes chegam ao ponto de permitir que filhos menores e sem carteira de habilitação saiam dirigindo seus carros em alta velocidade ou apostando corridas na rua, ferindo, matando e mutilando. Um ônibus ou um caminhão, nas mãos de algum motorista inconsequente e irresponsável (ou despreparado), é tão perigoso como um tanque de guerra.

De fato, na maioria das vezes, quando é cometido um crime, ultrapassado o traumatismo inicial, o ofendido mostra-se suscetível a entendimentos propostos por advogados, pelo autor, ou por amigos comuns. Isso constitui prática rotineira nos desfalques de Bancos e de empresas comerciais e industriais, onde a revelação de “certos segredos” da instituição importará em novos problemas e maiores danos. A prudência sugere, nessas circunstâncias, qualquer forma de composição, pelo menos para salvar as aparências. O mesmo acontece nos delitos de trânsito, em que a discussão em torno de “quem tem culpa” gera acusações recíprocas, custas judiciais e, muitas vezes, perda infrutífera de tempo e de dinheiro.

Isso tudo retrata, às evidências, o imenso descompasso entre o extenso rol das condutas proibidas e previstas na legislação penal, e o que a sociedade efetivamente reconhece e aceita como crime.

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