A separação dos poderes

A teoria da separação dos Poderes é de Montesquieu, mas antiquíssima.

Os comentaristas apontam a influência de Aristóteles, nos tempos antigos, e de Locke, em sua época, nos trabalhos de Montesquieu. Aristóteles em sua obra “Política” ensina que em todos os Estados tem que haver três elementos: a assembléia, que delibera sobre os negócios públicos, o corpo de magistrados e o corpo ou departamento judiciário que seriam os elementos “executivo”, “legislativo” e “judiciário”.

Mas, na realidade, a teoria da separação de poderes surgiu com Montesquieu, que em seu famoso livro “O Espírito das Leis”, fala da necessidade de uma divisão de funções dentro do Estado (Capítulo VI do Livro XI), distinguindo-se a função de “executar a lei”, da função legislativa (fazer a lei), da função “judiciária”, à qual caberia resolver os litígios entre os particulares.

O filósofo não mencionou “Poderes”, mas lançou a idéia dessa divisão de atividades dentro do Estado, para que a força absoluta do Estado fosse controlada por seus próprios órgãos, num sistema de pesos e contrapesos.

Locke havia dito: “A tentação de se exceder seria muito grande se as mesmas pessoas que têm o poder de fazer as leis tivessem também entre as mãos o poder de fazê-las executar, porque poderiam se dispensar de obedecer às leis que fizeram”. Montesquieu fala com precisão que o objetivo da separação dos poderes é assegurar aos direitos individuais uma proteção contra o arbítrio, uma garantia contra a onipotência do Estado.

Montesquieu, por sua vez, enfatiza em Espírito das Leis, cap. 4, XI: “É uma experiência eterna que todo homem que tem o Poder é levado a abusar do mesmo; vai até encontrar limites; para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição natural das coisas, o poder retenha o poder”.

Capítulo 6, XI: “Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido no poder executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o monarca ou o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente”. “Não há ainda liberdade, se o poder de julgar não está separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse junto ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria legislador. Se estivesse junto ao poder executivo, o juiz poderia ter a força dum opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as diferenças entre os particulares”.

As idéias de Montesquieu obtiveram boa acolhida em sua época e evoluíram, até que na Revolução Francesa, de 1789, incluiu na “Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão” que, “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição” (art. 16).

Dentro dessa teoria, o Estado permanece uno e indivisível, na plenitude de sua soberania mas esse Poder do Estado é exercido, internamente, por “três poderes”, independentes e harmônicos entre si, que evitam os abusos um do outro.

Num mundo cansado do absolutismo e da prepotência dos reis, que concentravam em suas mãos todos os poderes do Estado, exercendo-os com punhos de ferro, o novo sistema encontrou a melhor acolhida, sendo implantado pouco a pouco, à medida que a pressão social conseguia vencer resistências. Essas resistências naturalmente foram muito grandes, porque se tratava de tirar prerrogativas conferidas há séculos a todos os governantes.

Assim, o que Montesquieu criou em 1748 não foi apenas uma proposta de enfraquecimento do Executivo, com o desmembramento de sua competência, porque surgiu dali o novo Estado de Direito dos tempos modernos, com instituições liberais e constitucionais. Na realidade, saiu de sua idéia original uma nova estrutura de Governo, com a distinção orgânica das atividades estatais: Executivo, para administrar e executar as leis; Legislativo, para fazer as leis: Judiciário, para aplicar a lei aos casos concretos.

Charles Louis de Secondar, Barão de La Brède e de Montesquieu nasceu na França, em 1689, onde morreu, em 1735. Escreveu “Cartas Persas” e “O Espírito das Leis”, suas obras mais famosas. Filósofo humanista e cético. Foi um dos grandes fundadores da “Filosofia da História”, escola que teve com suas idéias, de Turgot, Gibbon e Hegel, grande influência nas concepções marxistas.

Não se deve confundir, entretanto, o sistema criado por Montesquieu, com a mera distribuição de funções que havia antes, desde a Antiguidade. Tanto na Grécia como em Roma já existiam parlamentos, pretores (Juízes) e Reis.

O Estado moderno, revolucionário, criado por Montesquieu, pressupõoe essa divisão, com liberdade política. Aí consiste a grande deferença. Dizia ele, que “demonstra a eterna experiência que todo homem que tem poder propende para o abuso, e só se detém quando encontra limites”, sendo, por conseguinte, necessário dispor as coisas de tal maneira, para o “poder frear o poder”, regulando o Estado em Lei para “combinar os poderes, regulá-los, equilibrá-los, fazê-los atuar harmonicamente, dando, por assim dizer, apoio, para que um possa resistir ao outro”.

Curioso é que tais idéias, datadas de séculos, ainda não foram suficientemente assimiladas em nosso País, nem, na realidade, introduzidas na prática. Basta dizer que quase a totalidade das leis que vêm sendo editadas a partir da Constituição de 1988, provêm de “medidas provisórias” – decretos do Executivo com força de lei – ficando o legislativo inteiramente à margem.

Montesquieu advertia que quando vão unidos na mesma pessoa os poderes legislativo e executivo, não há liberdade, porque pode temer-se que o mesmo monarca “faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente”. E, “tampouco há liberdade se o poder de julgar não está separado do legislativo e do executivo; se estivesse unido àquele, haveria um poder arbitrário sobre a vida e a liberdade dos cidadãos, porque o juiz seria ao mesmo tempo o legislador; se estivesse unido ao segundo o juiz teria a força de um opressor”.

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