Dos computadores

O indivíduo, A”, vai ao Banco sacar em sua conta, onde acredita haver um saldo de trezentos reais. Eis que, surpreso, constata pelo extrato de sua conta corrente que seu saldo é de trezentos mil reais. Houve, sem dúvida alguma, erro flagrante, por falha do computador, ou do digitador.

Nesses casos: 1. o agente costuma procurar o funcionário, ou o gerente do Banco, que constata o equívoco e efetua logo o extorno. Aí o assunto se encerra, sem mais delongas. Ou, 2. o agente se aproveita do descuido e saca todo o dinheiro disponível. Quando o Banco descobre o lançamento errado e vai procurar recuperá-lo, já não encontra dinheiro disponível.

A responsabilidade civil é evidente e incontestável. O agente cometeu “enriquecimento ilícito”, devendo ser obrigado a reparar o dano, devolvendo ao Banco o que não lhe pertence.

Surge, entretanto, o problema jurídico, no que se refere à responsabilidade criminal.

Se não, vejamos:

Quando uma importância, qualquer que seja, é creditada na conta corrente de uma pessoa, essa pessoa não é mera depositária. O dinheiro torna-se propriedade do dono da conta. Depositário é o Banco. O dinheiro passa a ser unica e exclusivamente do dono da conta. Entrou no seu domínio.

Logo, “A”, na hipótese presente, não cometeu furto, porque não se apropriou de coisa alheia. O dinheiro era seu, foi colocado pelo Banco à sua disposição. Tampouco cometeu apropriação indébita, porque o dinheiro não lhe foi entregue em depósito, mas, tão só e simplesmente creditado em sua conta corrente.

A conduta de “A” se enquadraria, na melhor das hipóteses, no artigo 169 do Código Penal, que prevê pena de detenção, de um mês a um ano, ou multa. Em se tratando de pena de detenção, é crime afiançável, gozando o réu do direito de permanecer em liberdade até o julgamento final do processo, e, se for condenado, à conversão da pena de prisão em multa.

A propósito do assunto, encontramos, ainda, as seguintes condutas:

  1. O indivíduo pode causar grande dano a outrem, apagando todo o conteúdo de um computador. Às vezes encontram-se, ali, armazenados, milhares ou milhões de dados obtidos através muitos anos de trabalho e pesquisa. Não se pode falar em “dano” no sentido do artigo 163 do Código Penal, porque o computador, como objeto ou como coisa, continua intato, perfeito, sem apresentar qualquer irregularidade. Mas vazio, privado de toda a matéria que constituía sua alma, sua vida. E às vezes o valor dessa matéria supera em muito o da máquina.

As informações podem ser apagadas no todo ou em parte.

Houve aí, sem dúvida alguma, uma nova espécie de tipo, em que a ação de dano se liga a um “elemento” da coisa, a uma peculiaridade da coisa.

  1. Mas pode acontecer também que por ações criminosas haja alteração ou supressão de dados durante sua transmissão de um computador para outro, ou seja, na fase em que se procede, por exemplo, via Internet ou em comunicações locais e internacionais de um Banco para outro, ou de uma empresa para outra, etc.

São dados armazenados eletronicamente ou até mesmo não perceptíveis diretamente, que são transmitidos. Os dados são reconhecidos com base em sinais ou funções contínuas, ou combinações atribuídas ao fim das informações apresentadas para emprego, ou, falando mais simplesmente, “oferecidas”.

O ato criminoso pode, portanto, consistir em apagar, suprimir ou alterar.

Apagar é tornar irrecuperável, irreconhecível completamente, suprimir é eliminar, alterar é transformar o conteúdo: o agente acrescenta zeros à direita, transformando 300 em trezentos mil, ou modifica o número da conta do destinatário do crédito.

Em qualquer dos três comportamentos há perigo ao desenvolvimento normal das atividades de empresas de outrem, até mesmo de autoridades, através perturbação no emprego de dados. Houve violação à propriedade alheia. “Alheio” é aqui o direito de propriedade, em sentido estrito, não compreendendo a aptidão da máquina.

Objetos da agressão são instalações de processamento de dados e portadores de dados. A peculiaridade de ser de outrem, não é necessária. Junto à lesão à substância (danificar, destruir), estão compreendidos também os danos às funções (tornar inutilizável), a alteração do estado e a supressão (impossibilidade do campo de disposição ou de uso do proprietário).

  1. Daí resulta que deve ser ilícita a perturbação de um processamento de dados. O conceito de processamento de dados é para ser interpretado amplamente; não compreende apenas aqueles dados isolados nos processos de elaboração de dados, mas também as amplas relações com os dados e sua utilização. Também aqui não é necessário que o processamento de dados se verifique em instalações alheias; mesmo processamentos de dados que se operem para um outro, estão compreendidos. Perturbações são apenas danos não irrelevantes, à evolução natural do processo.
  1. O processamento de dados perturbado deve ser de importância essencial para uma atividade alheia, empresa alheia ou de uma autoridade. De acordo com a prática, essa duvidosa cláusula geral deve se limitar à importância para a atividade funcional do equipamento; meros endereços de fregueses se separam, portanto, desde que não se trate de casa expedidora. De resto, só se aplicam a isso para a capacidade funcional da informação central de órgãos a autoridades; máquinas de escrever eletrônicas ou calculadoras portáteis, enquadram-se nesse contexto.

Todos esses comportamentos acham-se completamente excluídos de nossa legislação penal, razão por que não são ilícitos, e, em consequência, não constituem crimes.

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