A soberania do júri

A instituição do júri remonta aos primórdios da nossa independência. Já constava da primeira Constituição do Brasil (Carta de 1824, Art. 151), integrando o Poder Judiciário.

A Constituição republicana de 1891 veio prescrever sucintamente: “É mantida a instituição do júri” (Art. 72, § 31). Aí, não mais fazia parte do Poder Judiciário, mas passou a constar da “Declaração de Direitos”, ou seja, dos direitos e garantias constitucionais do cidadão brasileiro.

Segundo os comentaristas da época, liderados por Rui Barbosa, visava-se, com o julgamento popular, “reparar as iniqüidades da rigidez da lei, acudir os arrependidos, relevando e reduzindo as penas, e, sobretudo, absolvendo os que não ameaçavam com a reincidência a sociedade”.

Com a Constituição de 1891 implantou-se no Brasil a Federação.  As legislações processuais penais estaduais trataram o júri da seguinte maneira: umas (a maior parte), reconhecendo a soberania do júri, só admitiram apelação de suas decisões por matéria de direito; outras não acolheram apelação de espécie alguma, considerando inatacáveis as decisões oriundas de um Tribunal popular, soberano.

Em seu famoso livro sobre o júri, o magistrado paulista Firmino Whitaker discorre sobre as possibilidades de apelação no Estado de São Paulo – cujo Código de Processo serviu de paradigma para os Estados brasileiros – e enumera apenas os seguintes casos de permissões legais: “preterição de formalidades essenciais; sentença em contraposição ao veredito; e pena imposta diversa da estabelecida na lei” (Júri, F. Whitaker, Ed. Duprat & Cia., São Paulo, 1910 – pág. 206).

Acentua o autor que “a sentença do Juiz é homologatória do veredito, não podendo dela divergir, por maior que seja o erro ou a injustiça que contenha” (idem, ibid., pág. 208).

Realmente, a Constituição de 1934, após a Revolução de 193O, manteve a instituição do júri (Art 72), mas a de 37, que instituiu o Estado Novo no nosso País, não fala no júri, nem na parte do Poder Judiciário, nem dentre os “Direitos e Garantias Individuais”, como as demais. Simplesmente silenciou.

Entretanto, a “nova ordem” não deixaria de se preocupar com o júri. Tanto assim que a 5 de janeiro de 1938 o regime edita o Decreto-lei nº 167, admitindo apelação das decisões do júri e a revisão dos seus julgamentos.

Como se depreende, fica claro que a soberania do júri foi liquidada pelo Código de Processo Penal, ao dispor no Art. 593, III, “d”, que “das decisões do júri caberá apelação: quando for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos”. Na mesma hora em que o Código permitiu que o Tribunal composto de juízes togados estendesse suas vistas sobre a matéria de fato – e não apenas sobre a matéria de direito – para analisar se o veredito teria sido justo, ou não, estava vulnerada a soberania.

O legislador constituinte de 1988 restabeleceu a soberania do júri. Esqueceu-se, entretanto, de adaptar o Código de Processo Penal à nova regra constitucional. Ou melhor, não obstante o vento de liberalização que soprou por todo o país, e as inúmeras tentativas para se reformar ou substituí-lo, aquele velho Código, violentamente autoritário e superado, continua, até hoje, atravessando as décadas, com pequenas e poucas emendas.

Nos Estados Unidos e na quase totalidade dos países civilizados do mundo, a legislação processual penal não admite recurso das decisões do júri – a não ser no que se refere ao rito processual, suspeição dos jurados, prazos, etc., ou seja, matéria de direito. Não cabe recurso quanto a matéria de fato: não se discute mais se o cidadão cometeu o crime, ou não; se agiu em legítima defesa, ou não, etc.

Devido a essa falha na nossa legislação há inúmeros casos em que os réus são submetidos a júri 2, 3, 4 vezes, desmoralizando a instituição e levando a descrença aos jurados e ao povo.

Numa época em que tanto se fala na necessidade de reforma do nosso Código de Processo Penal, vai aqui, à guisa de sugestão: por que não se admitir recursos da decisão do júri apenas quanto a matéria de direito? O réu, uma vez julgado pelo júri, iria imediatamente passar a cumprir a pena que lhe foi cominada. Com isso se aliviaria muito o trabalho da Justiça, atulhada de processos.

Afinal de contas, nossa Constituição Federal preceitua expressamente que “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: c) a soberania dos veredictos” (Art. 5º, XXXVIII).

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