Causas do crime

Lemos constantemente nos jornais, e assistimos nas televisões, pessoas que presas em Delegacias ou em casas de custódia, designadas repetidamente como “traficante”, “estelionatário”, “latrocida”, “homicida”, “estuprador”, etc. E exibidas algemadas e humilhadas por autoridades das mais respeitáveis.

Ora, nunca é demais lembrar-se e frisar-se bem, que o simples fato de uma pessoa ter cometido qualquer desses atos que lhe são atribuídos, não basta para configurar um crime.

Só quem pode dizer que determinado fato é crime, é a sentença do Juiz transitada em julgado. Por isso, em linguagem jurídica, se diz que a sentença criminal é “constitutiva”. Não é meramente declaratória.

Assim, por exemplo, se “A” mata “B”, ao Juiz caberá apurar, antes de mais nada:

  1. Se “A” era agente capaz, ou seja, se dispunha de maioridade e se não era louco; se no momento do crime achava-se lúcido; se não estava drogado ou embriagado; se não estava agindo sob coação, ou seja, se tinha liberdade para agir; enfim, examinar as “causas de exclusão da culpabilidade”, porque, na forma da Lei, o menor, o louco, o incapaz, são irresponsáveis penalmente. Seus atos não constituem crime.
  1. Se “A” agiu em estado de necessidade, em legítima defesa ou no estrito cumprimento de dever legal. Porque, como dizia Nelson Hungria, aquele que mata a outrem em legítima defesa comete tanto crime como se matasse um mosquito.

Costuma-se ler e ouvir que o cidadão “foi absolvido do crime”. Nada mais errado. Se o indivíduo foi absolvido, não cometeu crime algum. Aquele fato por ele praticado não constitui crime.

Só depois de provada a autoria e a inexistência de causas de exclusão da culpabilidade e tampouco causas de justificação, aí, sim, o Juiz prolata sua sentença, que “constitui” o crime, ou seja, define o fato como criminoso.

Mas não basta a sentença. Essa sentença tem que transitar em julgado. Isto quer dizer que tem que se tratar de uma sentença da qual não caiba mais recurso algum. Ou porque todos os recursos foram rejeitados pelos Tribunais superiores, ou porque não houve recurso.

Aí, sim, o que praticou aquele “fato”, adquire o “status” de condenado. Nem por isso, entretanto, poderá ser tratado como um animal e ficar exposto permanentemente à execração pública.

Conforme define a ONU, em suas Regras Mínimas para o tratamento dos reclusos (itens 65 e 66): “O tratamento dos condenados a uma pena ou medida privativa de liberdade deve ter por objetivo, na medida em que a sanção o permita, incutir-lhes a vontade de viver conforme a lei e manter-se com o produto de seu trabalho, ensejando-lhes a aptidão correspondente. Este tratamento destina-se a fomentar neles o respeito de si mesmo, desenvolvendo-lhes o sentido de responsabilidade”.

E acrescenta: “Para atingir esse propósito, deverá recorrer-se, em particular, à assistência religiosa, nos países em que for possível, à instrução, à orientação e à formação profissionais, aos métodos de assistência social individual, ao assessoramento relativo a emprego, ao desenvolvimento físico e à educação do caráter moral, em conformidade com as necessidades individuais de cada recluso. Deve ter-se em conta seu passado social e criminal, sua capacidade e aptidões físicas e mentais, suas disposições pessoais, a duração da pena e as perspectivas para depois da libertação”.

Para atingir-se esse objetivo, fator fundamental é que o condenado, ao ingressar no estabelecimento prisional onde vai cumprir sua pena, não se sinta marcado pelo crime cometido. Deve começar vida nova, a fim de que, pela instrução e através de estímulos, adquira nova personalidade, fortaleça seu caráter, e, sobretudo, readquira confiança em si mesmo.

A penologia moderna reprova violentamente até mesmo a designação de “condenado”, substituindo-a por “reeducando”, ou simplesmente “interno”.

Como aqui no nosso País parece que existe o prazer sádico de se fazer exatamente o contrário do que recomenda a ONU, quando vemos pessoas condenadas e ainda não condenadas serem expostas à execração pública como “traficante”, “ladrão”, “estuprador”, “assassino”, etc., não é difícil de se entender que aí está a origem da crise nas prisões e a causa da explosão da criminalidade.

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