Contrastes

Qualquer estudante de primeiro grau, que já estudou um pouco de História do Brasil, sabe que Tiradentes morreu enforcado, por ter participado da “Inconfidência Mineira”, que pretendia a Independência do Brasil.

Mas não foi só isso. De acordo com a sentença do Juiz que o condenou, após a morte sua cabeça e seus membros seriam expostos nas ruas e locais públicos, “em espeluncas, em lugares afastados, um de outro, sua casa arrasada e o solo em redor esterilizado com sal”.

Este era o tratamento dispensado aos criminosos da pior espécie, em cujo rol se incluia o hoje chamado de Protomártir da Independência: nosso querido herói nacional, Tiradentes.

Enquanto isso, naquela época, os negros eram escravizados e os índios massacrados. Só em Palmares, no Estado de Alagoas, foram mortos cerca de 20 mil negros, onde estavam escondidos, sob a liderança de Zumbi, que, vendo seus quilombos invadidos e destruídos pelas forças militares – em número muito superior – preferiu suicidar-se a entregar-se, lançando-se do alto de um penhasco.

No que se refere aos índios, estes não eram considerados gente, nem sequer seres humanos, havendo até edito religioso sustentando que “não tinham alma” e, portanto não mereciam possuir as imensas fortunas que se escondiam no território brasileiro: praticava ato de caridade cristã quem lhes tirasse todo o ouro e diamantes em benefício da Coroa Portuguesa. O que se fez com eles “não é suscetível de ser descrito pela imaginação humana”, como dizia Critilo.

Os cronistas da época se referiam aos índios como “nômades natos, banhistas contumazes, mulherengos, irrevogavelmente distraídos, não usavam trabalhar, qualquer trabalho resultava-lhes supérfluo”.

Aliás, referindo-se aos índios, vale recordar as palavras de Sheridan, segundo o qual “o único índio bom é um índio morto”, e do Padre Antonio Vieira: “Não nos podemos sustentar doutra sorte, senão com a carne e sangue dos miseráveis índios? Então eles são os que comem gente? Nós, nós somos os que imos comer a eles” (Sermão da Epifania).

Matar índios e negros, portanto, não era crime, mas, sim, ato de louvável patriotismo.

Tudo isso nos vem à memória quando registra a imprensa que o Governador Garotinho, recém-empossado, organizou no Rio um mutirão para acabar com a superlotação dos presídios – uma de suas promessas de campanha. Os defensores públicos encarregados de examinar os processos e a situação de cada caso isolado, pretendem soltar pelo menos 2.500 presos nos próximos dias, porque, além de terem direitos, vivem em pavorosa promiscuidade, em situação muito pior do que a dos animais enjaulados no Jardim Zoológico.

Trata-se de medida adotada por político eleito há poucos meses, que veio, portanto, do mais íntimo contato com a população, sentindo suas tendências, inclinações e objetivos.

Nada mais correto, nada mais normal, sobretudo numa época como a atual, em que se comemora o cinquentenário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Bem apropriadas são as palavras de Carnelutti, analisando o problema penal, quando diz:

“Ir até os réus é a solução do problema. Não fugir deles; mas correr a seu encontro, como São Francisco. Não mirá-los de cima para baixo, mas descer do cavalo e adaptar-se a eles, como São Francisco. Não fixar os olhos em sua deformidade; mas afastar a vista, como São Franc+isco. Não tapar a cara, por temer o contágio; mas beijar-lhes na cara, como São Francisco. Não detestá-los como inimigos, não dar-lhes chibatadas como a cachorros, não pôr-lhes ao pescoço a campainha do leproso. Sua enfermidade não é mais do que fome e sede, frio e solidão. O alimento, para tirar-lhes a fome, a água, para tirar-lhes a sede, o tecido, para vesti-los de novo, a casa, para alojá-los, é nosso amor. O antídoto contra o mal é o bem. E esta medicina milagrosa não é daquelas que os homens devam buscar com fadiga ou pagar a peso de ouro; não é necessário, para ser encontrada, mais do que amor.

Por isso, na luta contra o crime, é fácil conquistar a vitória, sempre que os homens escutem a última palavra do Mestre: amais como eu os tenho amado!”

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