Do pacto federativo

Nos Estados Unidos, nos primórdios de sua colonização, havia 13 colônias: Massachussets, New Hampshire, Rhode Island, Connecticut, New York, Pennsylvania, Delaware, New Jersey, Maryland, Virginia, North Carolina, South Carolina e Georgia.

Essas colônias eram muito diferentes uma da outra, havendo as de população predominantemente inglesa, francesa, holandesa, alemã, espanhola, etc., cada uma delas funcionando como países independentes.

Enfrentando imensas dificuldades, após laboriosos esforços de James Madison, George Washington, Thomas Jefferson, Alexander Hamilton, Benjamim Franklin e outros grandes líderes, conseguiram se harmonizar e formarem uma União, que se tornou, então, a União Federal.

Dessa “convenção constitucional”, onde se reuniram os “pais da Pátria”, também designada “assembléia de semi-deuses”, realizada em Philadelphia, surgiram os “Estados Unidos da América”.

Ao criarem esse novo Estado – o Estado Federal – essas colônias firmaram um “pacto”, que passou a ser chamado de Pacto Federativo: cada uma delas abria mão de sua soberania, e conservava apenas a autonomia.

De acordo com esse pacto federativo, qualquer das ex-colônias poderia se separar, ou seja, sair da Federação, assim que o desejasse. Mantinham a liberdade de continuarem formando a União, ou não.

Acontece que quando os Estados do Sul, por problemas internos, e, sobretudo, devido à abolição da escravatura no norte, resolveram se separar e sairem da União, encontraram forte resistência do Presidente Lincoln, que, liderando os Estados nortistas, venceu a chamada “guerra de secessão”, consolidando a União e impedindo, doravante, qualquer tentativa de separação.

Nos Estados Unidos, portanto, houve a criação de uma Federação através do processo natural. Até hoje, ali, os Estados-membros, apesar do rompimento do “pacto” com a guerra de secessão, gozam de ampla autonomia, variando, por conseguinte, a legislação, de um para outro. Nem tudo é regulado pela União. Continua uma larga margem de administração nas mãos dos Estados.

Já aqui no nosso País não existiu pacto federativo de espécie alguma.

O Brasil era um Estado unitário. Aqui não havia “estados”, mas, sim, “Províncias”, sem qualquer espécie de autonomia. Após a independência, editada a Constituição de 1824, tínhamos 18 províncias, sendo uma delas a “Província Cisplatina”, no extremo sul, que, invadida pela Argentina, acabou, sob pressão da Inglaterra, formando um país independente: o Uruguai.

Eis que, proclamada a República, os constituintes que elaboraram a Constituição de 1891, com Rui Barbosa à frente, resolveram transformar as Províncias em Estados, e nosso Estado unitário numa Federação.

Acontece que essa Federação não foi implantada tão facilmente. Logo em 1892 desencadeou-se a chamada “revolução federativa”, quando tropas de militares e civis saíram do Rio Grande do Sul em direção ao norte. Outras tropas irregulares partiram de Santa Catarina. Os navios revoltados sob o comando do Almirante Custódio auxiliavam o movimento. As incursões se estenderam do Rio Grande do Sul até o Paraná, e seu chefe, Gumercindo Saraiva, pretendia invadir São Paulo, e, em seguida, o Rio de Janeiro (na época Capital do País).

Essa guerra civil apresentou vários e terríveis combates, só acabando nos idos de 1894.

Desde então, seguindo o exemplo de Gumercindo, houve ameaças de norte a sul do País. Os Presidentes da Federação, especialmente Floriano e Artur Bernardes, resistiram com punhos de ferro às tentativas de separação, ou de maiores poderes aos Estados-membros.

A verdadeira União só passou a existir, de fato, após a Revolução de 1930, capitaneada por Getúlio Vargas, que mandou queimar em praça pública as bandeiras dos Estados, mostrando ostensivamente que na realidade o Brasil era um só, independentemente de governos estaduais.

Aí acabou-se principalmente aquela fase de “empréstimos” da União a Estados. Quando o Governo Federal entendesse ajudar algum Estado em dificuldades, o dinheiro era concedido “a fundo perdido”, ou seja, nunca seria cobrado. A questão ficava entregue ao livre arbítrio da União: concedia o “empréstimo”, ou não. Se o concedesse, sabia de antemão que se tratava apenas de uma ajuda ao Estado-membro, sem esperar retorno, a não ser a boa aplicação dos recursos – controlada e supervisionada. Porque na realidade a União não é nada mais nada menos do que uma ficção jurídica: o que existem são Estados e Municípios, onde ela arrecada todos os seus recursos.

Analisando esses precedentes históricos, vemos, portanto, com muita apreensão, uma espécie de retorno ao regime da chamada República Velha, com a União cobrando “dívidas” dos Estados, e o surgimento de desavenças entre os Estados e a União. Ou de Estados entre si.

Não custa relembrar que uma simples fagulha pode atear um grande incêndio.

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