Crimes e pecados

O indivíduo que acompanhar os debates, opiniões e manifestações acerca do crime, o criminoso e a pena, observará, sem muita dificuldade, que para a grande maioria dos comentaristas e estudiosos do assunto, a responsabilidade moral do criminoso perante a justiça lhes parece tão pouco compreensível quanto a responsabilidade de além-túmulo de que falam as religiões.

Parece-lhes que o Direito Penal é um sonho espiritualista e meramente teórico, e que tudo aquilo de que se compõe a ciência moderna constitui mera superstição.

A seus olhos, o penalista é um sonhador, um metafísico, um teólogo. Aqueles que não reconhecem a existência do crime e do criminoso são sábios “isentos dos preconceitos da escolástica”.

Alguns teóricos consideram os crimes como atos necessários, o legislador, por sua vez, continua a ver no crime o resultado duma simples queda no erro.

Há, inclusive, aqueles que pregam aos quatro ventos: “Pecai, pecai sempre e sem cessar, porque Deus é misericordioso e quanto maior o número de pecados, maior será o perdão”.

Desde aquela época já observava Montesquieu, que: “os animais têm suas leis, o homem tem suas leis”.

Para Taine, “o homem é um animal de espécie superior, que produz filosofias e poemas, com pouca diferença do bicho da seda que faz o casulo, e com as abelhas que fazem o mel. Tudo se explica pela organização, a raça, o meio, o temperamento. Não diz mais: o homem tem um cérebro, um estômago, um tubo digestivo. “O criminoso é um cérebro em que se injetou sangue”, da mesma maneira que o “tigre é um estômago que tem necessidade de muita carne”, e “o ébrio é um estômago que tem necessidade de álcool”.

Nesta teoria, o homem honesto é um cérebro em que não se injeta sangue, o homem sóbrio é um estômago que não tem necessidade de álcool; os crimes e as virtudes são fenômenos naturais, “produzidos como o açúcar e o vitríolo”. O heroísmo dum soldado e a covardia dum assassino, o admirável devotamento duma irmã de São Vicente de Paula e a libertinagem vergonhosa duma prostituta são produtos necessários da organização.

Ainda recentemente um desses sábios da modernidade, mostrou-se de tal modo impressionado com a analogia entre o macaco e o homem pelo poder de educação, que está convencido que, se os macacos não falam, é em consequência dum vício dos órgãos da palavra, que se pode corrigir; está persuadido que se pode ensinar uma língua aos macacos. “O imbecil ou o estúpido são animais com figura humana diz ele, como o macaco cheio de espírito é um pequeno homem sob outra forma”. Tudo se explica no homem pelo organismo, pelo volume, pela qualidade, pelas circunvoluções do cérebro; a ciência e a virtude dependem do organismo. O ato criminoso não é mais um ato culpável, imputável a uma vontade depravada, um mau uso da liberdade; é o resultado fatal do organismo.

Bem a propósito, conta a Mitologia grega que, “de acordo com as normas de Zeus, Prometeu criou os homens e os animais. Mas, vendo que estes eram muito mais numerosos, Zeus ordenou a Prometeu suprimir um certo número, transformando-os em homens. Assim foi feito. Eis por que há homens que de humano só têm a aparência, mas a alma é de animal”.

Tudo isso nos vem à memória quando vemos o que se passou no nosso País nestes últimos dias, quando seis portugueses, que para cá viajaram a fim de conhecerem nosso País, fazerem turismo e, possivelmente, criarem algum negócio, como milhões de outros já o fizeram, acabaram barbaramente assassinados, vítimas de latrocínio.

Aliás, conforme demonstram os estudos criminológicos, há várias espécies de criminoso: há o criminoso eventual, o sexual, o patrimonial, o político, há o da criminalidade violenta e o da criminalidade fraudulenta, e há, ainda, o criminoso passional.

Mas há, também, o criminoso louco, e, finalmente, a besta-fera. Ambos escapam a qualquer análise e consideração criminológica. Agem sem qualquer motivação. O primeiro, em consequência de sua loucura mesmo, e o segundo por sentir prazer apenas na maldade e no fazer sofrer seu semelhante.

A barbaridade com que foi cometido o crime contra nossos irmãos portugueses, vítimas de verdadeiras bestas-feras, faz-nos lembrar o grande poeta Virgilio, quando dizia: “Ainda que tivesse cem bocas e cem linguas, e minha voz fosse de ferro, não poderia enumerar todas as formas de crime”.

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