Dos direitos constitucionais

A palavra “Constituição” é, em seu sentido preciso, de origem muito nova. Encontra-se com um significado político nas segunda e terceira Cartas firmadas no século 17, na Virginia, Estados Unidos, sob a “Forma de governo para a Pensilvania”, de William Penn, de 1682, e no Oceana, de James Harrington.

No fim do século 18 começaram a ser designadas assim as leis relativas à organização dos poderes públicos. Rousseau diz indiferentemente “leis políticas”, “leis fundamentais”, “Constituição dum Estado”. Mas não entra em seu pensamento que a palavra “constituição” pudesse ser tomada como sinônimo de limite ao poder dos governantes, e que implicasse numa garantia para o indivíduo.

É nos novos Instruments of Government das colônias emancipadas (1776) que a palavra toma todo seu valor: uma Constituição é uma proclamação da liberdade política e da liberdade civil; uma dupla garantia, do povo e do indivíduo, contra os abusos do poder, ou seja, verdadeiro “Contrato Social”, como imaginado por Rousseau.

Assim como é natural que o costume modifique, segundo os dados da experiência, o funcionamento dos órgãos do governo, da mesma forma é necessário que um texto categórico, solene e preciso apresente limites ao exercício do poder, determine as garantias do povo (direito de representação, por exemplo), quer dizer, a liberdade política e as do indivíduo (liberdade de pensamento e de culto, por exemplo), quer dizer, a liberdade civil.

Uma Constituição toda costumeira não seria, portanto, no verdadeiro sentido da palavra, uma Constituição. Assim, todas as Constituições modernas são escritas. Fala-se em duas espécies de Constituição: as escritas e as não-escritas. Na verdade o que há, são constituições mais ou menos escritas. Em muitos países, as Constituições são longas e detalhistas. Na Inglaterra, os textos são raros (Atos de 1215, 1688, 1701, etc.), enquanto nos Estados Unidos são numerosos. Mas em nenhuma parte existe Constituição que seja, ou totalmente escrita, ou totalmente costumeira.

Nos Estados Unidos, onde a Constituição Federal e as Constituições dos Estados são largamente escritas, o costume modificou a eleição, a reeleição, os poderes do presidente, o processo e os métodos do Congresso; é sem força sobre as declarações dos direitos. O direito costumeiro e o direito escrito se misturam, um se ligando à organização, ao funcionamento dos Poderes, o outro mantendo intato, sob o envelope protetor dos textos, o núcleo das garantias essenciais.

Pois é diante da grande e notável evolução do constitucionalismo inglês e norte-americano que, surpreendentemente, tomamos conhecimento de fatos ocorridos naqueles maravilhosos e notáveis países.

Um americano atirou no agente dos Correios, porque assim seria condenado à prisão perpétua e ficaria livre de suas dívidas com médicos e remédios, disseram os investigadores. William Crutchfield atirou no carteiro de 59 anos, Earl Lazenby, em Snellville, Geórgia, há duas semanas. Cumprimentou o carteiro e recolheu suas cartas antes de sacar sua pistola e atirar nele sete vezes.

Mr. Lazenby sobreviveu ao ataque, mas os tiros furaram sua barriga, o intestino, e fraturaram ossos num braço.

Logo em seguida Mr. Lazenby, um eletricista de 60 anos, dirigiu-se para a Delegacia de Polícia e denunciou o crime. Mr. Crutchfield disse na Polícia que atirou no homem do correio como um meio de escapar de débitos com tratamentos médicos no montante de noventa mil dólares. Disse que temia perder sua casa e achava que vivendo na prisão estaria melhor do que sobrevivendo na rua. Disse que queria ser cuidado pelo Governo Federal, que estava com a saúde abalada e queria que cuidassem dele, disse o Inspetor Postal Tracey Jefferson. Mr. Lazenby disse à agência de notícias Associated Press: “Ele pegou sua correspondência e então disse “alô”. E logo em seguida começou a atirar”. Disse que o homem “entrou em seu carro e foi embora”. Mr. Crutchfield detalhadamente relatou à Polícia que se inspirou em seguir os passos de Eric Rudolph, o homem-bomba do Atlanta Olympic.

Em abril de 2005, mediante acordo, Rudolph recebeu 4 condenações à prisão perpétua, sem direito a livramento condicional. Mr. Crutchfield permanence preso, condenado por ter matado um funcionário federal (BBC News, 17.7.2005).

Na Inglaterra, por sua vez, um brasileiro inocente, é morto sumariamente pela heróica e tradicionalissima Polícia britânica. E, o que é pior ainda, o Ministro diz que lamenta o ocorrido, mas a ordem de matar suspeitos continua inalterada.

A propósito, bem dizia Platão que “existe algo ímpio em investigar com demasiada curiosidade no conhecimento de Deus e do Universo”.

Enviar por e-mail Imprimir