Da pobreza

O problema da pobreza vem agitando a consciência da humanidade há tempos e tempos. Contudo, apesar de todo progresso científico e teconológico por que tem passado a humanidade, permanece de uma atualidade impressionante.

Veja-se que enquanto Farquhar, dizia, em sua aclamada peça “O estratagema do Janota” que “não há escândalo como os farrapos, nem crime tão vergonhoso como a pobreza”, Lytton observava, falando da Inglaterra do seu tempo, que “noutros países pobreza é uma desgraça; entre nós é um crime”.

E Maquiavel, por sua vez, tentava convencer que “são melhores os frutos da pobreza que os da riqueza”, mostrando que enquanto os pobres lutam nas guerras e só têm trazido honra aos Estados, os ricos só os têm arruinado. Na mesma medida Emerson cinicamente proclamava que “a pobreza consiste em se sentir pobre”.

Reza a Bíblia que “nunca deixará de haver pobres na terra: por isso te ordeno: livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na terra” (Deuteronomio, 15, 11); e, mais adiante: “Bem-aventurado é aquele que atende ao pobre; o Senhor o livrará no dia do mal” (Salmos, 41, 1).

Eça de Queiroz, por sua vez, com o pessimismo que lhe é peculiar, observava em suas maravilhosas obras que, “fossem quais fossem as reformas sociais, haveria sempre pobres e ricos: a fortuna pública devia estar naturalmente nas mãos de uma classe, da classe educada, ilustrada, bem-nascida” (“O Conde d’Abranhos”).

Encontramos, ainda, muito sabiamente, no “O livro vermelho dos pensamentos”, de Millor Fernandes, que, “ser pobre não é crime, mas ajuda muito a chegar lá”.

Entretanto, um dos maiores exemplos históricos no combate à pobreza foi, sem dúvida alguma, o de Giovanni Francesco Bernardone, nascido em Assis, na Itália, no já longínquo ano de 1182, e morto lá pelos idos de 1226.

Filho de família rica, vivendo no fausto e na abastança, segundo consta teve uma visão de Cristo. Sentindo o chamado do Senhor, distribuiu, imediatamente, toda sua fortuna dentre os pobres. Jogou fora seus fardões e vestes luxuosas e passou a andar pelas ruas pedindo esmolas para distribuí-las com seus “irmãos”, como chamava os mendigos e miseráveis de sua época. Tornou-se conhecido como Francisco de Assis.

Dedicou-se apaixonadamente à imitação da vida e obra de Jesus.

Despido de todas as pompas e vaidades, viveu, a partir de então, como eremita, a serviço de Deus. Conseguiu logo inúmeros discípulos, que antes de se entregarem à nobre missão da caridade e do sofrimento, eram obrigados a renunciar a toda e qualquer riqueza na terra, fazendo voto de pobreza. Fundou, assim, uma Ordem religiosa, que após sua morte e canonização, veio a ser chamada Ordem de São Francisco de Assis, aprovada pelo Papa Honório III, em 1223.

Os franciscanos dedicavam-se à vida meditativa, afastando-se, voluntariamente, de toda e qualquer assunto “leigo”. Os aspirantes, antes de serem aceitos na Ordem, despiam-se de todos os bens terrenos, celebrando aquilo que definiam como “núpcias santas com a Senhora Pobreza”, visando, não apenas a se despirem da “mera pobreza material”, mas, sim, à negação total do próprio ser.

São Francisco de Assis via na natureza um espelho de Deus, e chamava todas as criaturas de “irmão” e “irmã” – irmão sol, irmã lua, irmão cachorro, irmão gato, irmã cobra, etc. E até mesmo “irmã morte”. Dizia que “não seria amigo de Cristo se não amasse aqueles por quem Cristo morrera”.

E para mostrar seu amor, vestido em trajes andrajosos, vivia como um mendigo, batendo de porta em porta, pedindo esmola e donativos, que dividia com os “irmãos”.

Foi assim, das palavras e do exemplo de São Francisco de Assis, que surgiu a Ordem dos Franciscanos, que, nascida na Idade Média, atravessou séculos, e existe até hoje. Isto porque São Francisco fazia com que os atos acompanhassem as palavras.

Bem a propósito indagava o genial Padre Antonio Vieira, na época da colonização do Brasil: “Por que antigamente os pregadores convertiam milhões e hoje em dia não se converte ninguém? Porque antigamente os que pregavam eram Pedro e Paulo, e hoje são eu e outros como eu? Não. Porque antigamente pregavam-se palavras e obras, enquanto que hoje pregam-se palavras e pensamentos. Palavras sem obras são tiro sem bala: atroam mas não ferem”.

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