Crimes internacionais

Sempre houve juristas, através dos séculos, que repudiaram a idéia da existência de um “Direito Internacional”. Isto porque a existência de um “Direito”, seja ele qual for, exige a configuração de vários pressupostos, que inexistem no chamado “Direito Internacional”, ou seja: 1. positividade (tem que constar de Lei); 2. coercibilidade (essa lei deve vigorar sob ameaça de sanção); 3. origem estatal (só vale a Lei do Estado – não se trata de lei de direito canônico, nem comercial, etc., mas tão-só e somente, de lei de um Estado, ou seja, Estado entendido como pessoa jurídica de Direito Público internacional); 4. obrigatoriedade (esta lei tem que estar em vigor e ter caráter obrigatório).

Por isso os russos proclamavam naqueles saudosos tempos, pela boca de Catarina, a Grande, que “direito internacional é a boca do canhão”; e ela acrescentava que obtinha tanto êxito nos seus tratados internacionais, porque “mandava os exércitos na frente e os diplomatas atrás”.

Mas, independentemente da existência, ou não, de um direito internacional no sentido próprio e exato do termo, sempre houve, tradicionalmente, desde as origens do mundo civilizado, pode-se dizer, duas espécies de crimes internacionais:

  1. a) Em primeiro lugar estão aqueles cometidos por um Estado quando interfere indevidamente na esfera de interesses de outro Estado. Isto se dá quando um Estado invade território situado sob a área de soberania de outro Estado; confisca e apreende bens pertencentes a outro Estado; desrespeita a imunidade de seus diplomatas ou a extraterritorialidade das Embaixadas; pratica atos de agressão, etc.

Estes são crimes cometidos pelo Estado, como pessoa jurídica de direito público internacional. A punição vem em forma de sanções, represálias, ou, guerra. O Estado-vítima tem direito à “guerra justa” contra o agressor.

  1. b) Em segundo lugar temos os crimes internacionais em que são agentes pessoas físicas: tráfico de entorpecentes, tráfico ilícito de armas, genocídio, tráfico de escravas brancas, terrorismo, pirataria, etc.

Nestes casos a punição pode ser feita por qualquer País – tanto faz que seja aquele em que foi praticado o ato, como aquele em que esteve ou está o agente; ou em que foi preso; ou em que foi flagrado. Os Tratados Internacionais dão amplo direito.

Assim, por exemplo, qualquer navio, de qualquer nacionalidade, que encontre em alto-mar um navio pirata, pode afundá-lo sumariamente; um terrorista ou traficante de drogas pode ser preso e condenado em qualquer país signatário da Carta da ONU, onde se acham filiadas todas as nações do mundo civilizado.

  1. c) Mas, ao lado dessas espécies de crimes, vêm de ser incluídas, nestes últimos anos, condutas que não faziam parte do Direito Internacional. Ou melhor, nunca fizeram, porque são fenômeno de nossa época.

Hoje, surgiram como valores relevantíssimos a proteção ao meio ambiente, às comunidades indígenas e ao equilíbrio ecológico, do qual, segundo apregoam os especialistas internacionais, a Amazônia seria o maior e mais importante sustentáculo.

Todos aqueles que assinaram os Tratados e Cartas da ONU a respeito do assunto assumiram compromissos rigorosos, taxativos, imprescritíveis e inalienáveis, com a comunidade internacional. Obrigaram-se a velar por esses valores, que deixam de ser valores individuais, sobrepondo-se à órbita estatal, e passaram a ser considerados patrimônio da Humanidade.

Esses bens, por merecerem a tutela mais ampla possível, devem ser protegidos a qualquer momento, por todos os meios, e por todo e qualquer membro da “comunidade internacional”.

A reação da comunidade jurídica internacional contra essa espécie de agressão “à humanidade” só é limitada por razões de conveniência política – não há previsão legal.

Assim, por exemplo, de acordo com as normas de Direito Internacional, se o Brasil ou a Somália tomarem conhecimento de atrocidades contra os índios nos Estados Unidos, havendo risco de genocídio, terão o direito de intervir, com suas Forças Armadas, para proteger o índio norte-americano, já tão massacrado pelo General Custer, Buffalo Bill e tantos outros, no curso de sua História.

Da mesma forma, os exércitos da Bolívia, Chile, Brasil ou Venezuela poderão intervir nos Estados Unidos ou Canadá, a qualquer momento que entenderem estar ameaçado o equilíbrio ecológico pelo excesso de poluição de suas milhares de fábricas, pelo desmatamento incessante em suas florestas virgens ou pelos testes atômicos e de guerra química nos desertos de Nevada ou nas Montanhas Rochosas.

Estas, no entanto, são hipóteses absolutamente inadmissíveis, utilizadas apenas “ad argumentandum”, ou seja, para servirem de argumento ou prova do contrário.

Porque ninguém ignora que, principalmente após a queda fragorosa do Império soviético, os Estados Unidos assumiram para os tempos presentes o mesmo papel do Império Romano em sua época.

Realmente, diante das intervenções norte-americanas em Granada, Panamá, Iraque, Bósnia, Somália, etc., só nos vêm à memória as famosas “expedições punitivas” dos Césares.

A única diferença está em que os romanos agiam sob as ordens do Senado, onde, segundo diziam, estava a representação do povo, e onde vigia o lema das 12 Tábuas: “Salus populi, suprema lex esto” (Que a salvação do povo seja a suprema lei), enquanto nossos irmãos do norte anunciam estarem executando as decisões da ONU.

Ou os romanos eram mais autênticos, ou os norte-americanos se transformaram, inegavelmente, em incansáveis defensores da humanidade, espírito e corpo da única e suprema instância de um Direito Internacional criado por eles mesmos, que se investiram na posição de intérpretes dos interesses da humanidade.

A hora, portanto, exige muita cautela. O negócio é andar na ponta dos pés.

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