Da maioridade penal

Em todos os países cultos e civilizados do mundo, são adotados, em geral, dois modos para fixação da responsabilidade penal: por presunção de direito e de fato.

Aqui no Brasil, prescreve nosso Código Penal, textualmente, que “os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (art. 27).

Isto, em poucas palavras, quer dizer mais ou menos o seguinte: que um menor de 18 anos, mesmo que seja inteligente, esperto, lúcido, é, por determinação legal, irresponsável penalmente. Por disposição expressa de Lei, é incapaz.

Já um outro rapaz, digamos, de 22, 23, 24 anos, que se revele bobo, parado, ignorante, boçal, muito mais fraco e indeterminado do que um outro de 15, 16 anos, é capaz. A Lei considera-o lúcido e apto para conhecer a gravidade dos seus atos, e, portanto, capaz.

Ou seja, nosso direito adotou o método da incapacidade penal por presunção de direito. Quando um menor de 18 anos pratica qualquer ato que poderia ser crime, esse fato imediatamente deixa de ser crime, para constituir apenas e tão-somente uma “infração”. O menor não pode ser criminoso (autor de crime); só pode cometer “infração penal”.

Na maior parte do mundo, entretanto, o método é diferente. Assim, verificamos que o sistema predominante é o da presunção de fato – independentemente da idade, tem-se que apurar se aquele que praticou o fato definido na Lei como crime dispunha, no momento de praticá-lo, de capacidade para compreender o que estava fazendo.

O Direito Penal moderno rejeitou as teorias do passado e, seguindo as teses de Ferri, proclamou a morte do livre arbítrio e da responsabilidade penal, adotando a doutrina da responsabilidade social e legal. A partir daí firmou-se o princípio que a verdadeira responsabilidade radicava no fato do homem viver em sociedade. E aí está a base de toda estrutura jurídico-penal vigente neste final de século. O que se tem de apurar é se o agente constitui perigo para a sociedade; se está apto para a convivência social.

Efetivamente, há ocasiões em que o agente completa o tipo penal – homicídio, lesão corporal, falsificação de documentos, etc. – mas, dadas as circunstâncias especiais que envolveram o fato, não comete crime algum. Por exemplo: se se trata de um alienado (em suas diversas modalidades: esquizofrênico, oligofrênico, paranóico, etc.); ou de um ébrio, drogado, coagido, etc.

Assim, digamos que o agente vai andando pela rua com um cão feroz ao seu lado. E que o animal, solto, pule em cima de uma pessoa e ocasione a sua morte. Está mais do que lógico que quem matou foi o cão, e não o dono do cão. Mas esse dono do cão, que agiu dolosa ou culposamente, terá que responder pelo dano causado por seu animal – civil e penalmente – dada sua falta de previsão, de cautela, exigível de qualquer cidadão de bom senso e adaptado à vida em sociedade. Responderá por seu comportamento anti-social.

A Justiça tem condenado muitas pessoas que, imprevidentemente, saíram disputando corridas de carro pelas ruas da cidade; ou deram tiros em locais habitados, acertando, mesmo involuntariamente, algum transeunte.

Então, o Direito Penal moderno, vigente em quase todos os países civilizados deste mundo globalizado, cristão, neo-liberal e caminhando a passos largos para o novo milênio, não olha para a idade do acusado – mas, apenas e exclusivamente, se o agente era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Além das hipóteses que já foram mencionadas, há inúmeras outras circunstâncias que exclúem o crime: o medo, a boa-fé, o erro, a obediência hierárquica, a força irresistível, etc.

No Direito Penal brasileiro, entretanto, se o indivíduo cometeu o crime, quer dizer, o fato anti-social, se for maior, está sujeito a pena; se menor de 18 anos, louco, retardado, drogado, etc., ser-lhe-á aplicada “medida de segurança”.

Acontece que os menores internados nas chamadas “instituições” por medida de segurança, ficam em celas que são iguais ou até mesmo piores do que aquelas outras destinadas aos maiores.

Talvez de vez em quando passe por lá um carcereiro e diga: “meu filho, pode ficar despreocupado atrás dessas grades, porque você não está preso, mas apenas internado, e tampouco cumpre pena. Isso que é infligido a você, não passa de simples medida de segurança”.

Como o garoto não consegue entender direito a diferença entre uma coisa e outra, trata de fugir na primeira oportunidade possível.

Enquanto isso os verdadeiros e legítimos patriotas, democratas autênticos, discutem sobre a conveniência, ou não, de diminuir para 15, 16 ou 17 anos o limite da menoridade.

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